Maniac | O que realmente aconteceu no final? [Explicação]

Em setembro de 2018, estreou Maniac, nova série original Netflix sobre depressão, amizade e esperança. Para alguns, cansativa e pretensiosa. Para outros, uma obra de arte.

Dos criadores Cary Joji Fukunaga (diretor da 1ª temporada de True Detective) e Patrick Somerville (roteirista de The Leftovers), Maniac conta a história de Owen Milgrim (Jonah Hill) e Annie Landsberg (Emma Stone), duas almas quebrantadas que se voluntariam para testar uma nova droga do laboratório Neberdine, que promete acabar com a depressão. Owen foi diagnosticado no passado com esquizofrenia, e Annie vive com a culpa de ter sido responsável pela morte da irmã.

A série se passa na maior parte do tempo em narrativas dentro das mentes dos voluntários, na medida em que as drogas testadas criam realidades alternativas como forma dos participantes confrontarem e superarem seus traumas.

Sendo boa parte da série fruto da imaginação dos personagens, são muitas as homenagens de Maniac a obras da cultura pop. De O Senhor dos Anéis, O Feitiço de Áquila e Alien, até filmes gangsters como Os Bons Companheiros, todos são referenciados na obra.

A opção por cores vibrantes, personagens caricatos e excêntricos, realidades inventadas e tomadas simétricas em muito lembram a estética cinematográfica de Wes Anderson. Já o conteúdo lembra as ideias discutidas em filmes como Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2004) e Inception (2010).

 

 

O foco de Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças e Maniac é o mesmo: a superação do trauma por meio de intervenções na mente e criações de realidades inventadas. Em Brilho Eterno, o recurso utilizado para a superação do trauma é o esquecimento. Joel (Jim Carrey) decide pagar uma empresa para realizar um procedimento que promete, ao final, apagar totalmente de suas memórias a vida que teve com sua ex-namorada, Clementine (Kate Winslet).

Já em Maniac o tema é abordado de forma diferente. Na série da Netflix, a solução para a superação do trauma é a confrontação. A máquina GRTA (apelidada carinhosamente de Gertie), criada pelos cientistas Muramoto (Rome Kanda) e James (Justin Theroux), é utilizada em conjunto com as drogas A, B e C para adentrar a mente dos voluntários do estudo. Inspirada em Greta Mantleray (Sally Field), mãe de James, Gertie analisa os dados advindos da mente dos participantes, e cria realidades que permitam a confrontação com os traumas do passado.

Apesar de o final de Maniac parecer fechado, há uma teoria que aponta que a série utilizou do mesmo recurso presente no final de Inception. E se todos os eventos da minissérie aconteceram dentro da mente dos personagens?

 

Atenção, o próximo tópico contém spoilers do final de Maniac. Prossiga com cuidado.

 

O que aconteceu no final de Maniac?

Annie olha para Owen dentro do hospício em Maniac

 

Em Maniac, a máquina Gertie demonstra ter sentimentos ao entrar em depressão após a morte do Dr. Muramoto, com quem mantinha uma relação íntima. Ela então passa a representar perigo aos participantes do estudo, que correm o risco de entrar em um estado catatônico conhecido na série por mcmurphy (uma referência ao filme Um Estranho no Ninho, estrelado por Jack Nicholson).

A contragosto, o Dr. James Mantleray é obrigado a recorrer à ajuda de sua mãe Greta para frear Gertie e salvar os voluntários do estudo. Greta obtém sucesso na empreitada, todos retornam do transe, mas James e Azumi (Sonoya Mizuno) são punidos pela empresa farmacêutica por liderarem um estudo que coloca em risco a vida dos participantes.

De volta à vida real, Owen testemunha contra seu irmão mais velho, acusado de estuprar uma funcionária. Por este motivo, seus pais o internam em uma instituição para doentes mentais. Annie percebe que não quer excluir Owen de sua vida, e acaba o ajudando a fugir do hospício. Eles partem rumo a Salt Lake City, cidade destino da viagem que Annie fazia com sua irmã Ellie (Julia Garner), jamais alcançado devido ao acidente de carro que tirou a vida de Ellie.

Na cena pós-créditos, o carro de Owen e Annie cruza na estrada com o de James e Azumi. Logo em seguida, surge um falcão em cima de uma das máquinas que recolhem lixo na cidade, e um cachorro. Eles caminham na mesma direção que o carro de Annie e Owen.

 

O que realmente aconteceu no final de Maniac?

Owen olha para Annie enquanto sorri num elevador em Maniac

 

Há fortes indícios na série que apontam para a teoria de que todos os eventos nela retratados nunca ocorreram. Assim como a dúvida deixada ao final de Inception, Maniac também nos leva a crer que todos os acontecimentos não passaram de devaneios fabricados pela mente dos personagens.

Inicialmente, devemos levar em consideração que os protagonistas da história possuem um histórico de fuga da realidade. Owen foi diagnosticado com esquizofrenia paranóide, ouve vozes, sofre alucinações e não raro fica obcecado por estranhos. Ele aparece no primeiro episódio da série jogando sua medicação em um vaso de plantas. Como nenhuma cena é gratuita, esse fato parece nos dizer que Owen é suscetível a novas alucinações.

Annie foi diagnosticada com transtorno de personalidade borderline. Além disso, é uma usuária de drogas contumaz, as utilizando como punição para revisitar o último dia de vida de Ellie. Sendo assim, nossos principais olhares para o mundo que nos foi apresentado em Maniac são longe de serem confiáveis.

 

 

Mas isso por si só não prova nada. Vamos a fatos mais concretos que corroboram esta teoria.

No primeiro episódio da série, o narrador explica como surgiu a vida no universo. Ele esclarece que uma ameba é o ancestral em comum de todas as plantas da Terra, que liberam oxigênio para nossa atmosfera e abrem espaço para todos os outros seres vivos. Após, divaga sobre as conexões criadas por esses seres vivos, e, em consequência, novos mundos que surgem a partir do primeiro. Assim, logo de início Maniac deixa claro que a série tratará de realidades alternativas.

Já no sexto episódio da minissérie, em uma conversa com Owen, Annie fala sobre a estranheza da situação dos dois: “Não é estranho que ninguém, além de nós, estivesse conectado? […] Comecei a pensar que talvez isso seja algo mais profundo. E cósmico, como uma mágica multi-realidade do cérebro.”

O que parece confirmar a hipótese de Annie é a visão que Owen compartilha com ela logo em seguida: “Eu tinha um plano. Estávamos indo para algum lugar juntos. Estávamos em um carro, dirigindo muito rápido. Alguém nos perseguia, não sei quem era. Parecia uma fuga. E eu estava sorrindo…tinha um sorriso enorme no rosto. Éramos apenas duas pessoas, cuidando um do outro.

 

 

Curiosamente, é exatamente isso que acontece no último episódio da minissérie. Owen e Annie fogem e são perseguidos pelos médicos e seguranças do hospício. Ao concluir a fuga, Owen tem um enorme sorriso no rosto. Juntos, partem para Salt Lake City, com a sensação de que sempre poderão contar um com o outro.

Não é coincidência demais de que a profecia de Owen no sexto episódio de Maniac tenha se concretizado ao final? Mais provável acreditar que eles nunca tenham escapado de Gertie. Na verdade, ainda estão presos em suas mentes, sem conseguirem acordar, fadados a projetar para sempre a realidade que gostariam de estar vivendo.

Há outros episódios que também contêm elementos que aparecem tanto nos momentos de transe dos pacientes quanto na suposta “realidade” da série.

Uma delas é a senha 5-6-7-8. Ela é utilizada no quarto episódio para que Annie e Owen tenham acesso à sala em que foi trancada a lêmure Wendy. Annie deduz que a senha da sala dos contrabandistas é 5-6-7-8 porque esta é a contagem regressiva que dançarinos fazem ao treinar para apresentações.

A mesma senha aparece no nono episódio. Azumi, trancada por Gertie em uma das salas, revela para um funcionário que a senha para acesso à sala de controle é 5-6-7-8.

 

 

Há uma outra conexão entre sonho e realidade envolvendo a lêmure Wendy, que aparece no transe do quarto episódio.

No décimo episódio, no “mundo real”, Annie vai visitar Owen no manicômio e ao assinar o livro de visitas vemos que Wendy Lemure figura como visitante do paciente Bruce Marino. Ora, Wendy Lemure (lêmure, em inglês) é a lêmure da realidade alternativa do quarto episódio, enquanto Bruce é nome de Owen na realidade alternativa do quarto episódio.

 

 

Ainda no quarto episódio, há outro cruzamento entre sonho e realidade observado por muitos fãs em fóruns no Reddit: os carros do décimo episódio.

No episódio final, na “vida real” Azumi e James entram no estacionamento, onde são vistos dois carros. Inicialmente, James acha que o veículo de Azumi é o volvo azul da direita. Este é o mesmo carro que Owen/Bruce utiliza na realidade alternativa do quarto episódio. Uma curiosidade é que em ambos os episódios, a placa do carro é a mesma: O19-91A.

“O” faz alusão a Owen, “A” à Annie, e 1 e 9 são os números que lhes foram dados no experimento, respectivamente. Já o outro veículo em cena era o mesmo pertencente a Owen na realidade alternativa do nono episódio.

 

 

No episódio final da série, há outras duas cenas interessantes. Na primeira, Azumi e James estão no elevador, a caminho do estacionamento, quando em um dos andares entra inexplicavelmente uma pessoa queimada. Os dois parecem tratar isso como uma normalidade. Essa cena é similar àquela vivenciada por Bruce e Annie no transe do nono episódio. Eles estão em um elevador, e enquanto este para em alguns andares, eles visualizam realidades surreais dos demais participantes do estudo.

Seria o homem queimado que entra no elevador com Azumi e James um outro voluntário, corroborando a tese de que todos estão presos em um sonho coletivo?

A outra cena do “mundo real” no décimo episódio faz um link com a realidade paralela presente no quinto episódio. James revela a Azumi que teve uma visão de que eles fugiam para a cidade perdida de Atlantis. Essa mesma cidade foi citada por Owen na realidade em que ele era um enganador, no momento em que falou para seu choffeur levar Annie para bem longe, nem que para isso tenha que chegar em Atlantis.

Mas a maior prova de que tudo não passa de um sonho está na cena pós créditos.

Como já mencionamos acima, um cachorro, um robô sanitário e um falcão seguem o carro de Annie e Owen enquanto eles viajam em direção a Salt Lake City. No entanto, o cachorro em cena é Groucho, animal de estimação de Ellie e Annie desaparecido há sete anos. Ele pode ser visto em dois cartazes no segundo episódio, dos quais um deles Annie coloca em um robô sanitário. Mais estranhamente, o falcão era o animal que Owen resgatou citado no primeiro episódio. Owen o resgatou, cuidou dele, mas seu irmão Jed o matou depois que o animal comeu seu roedor.

O falcão também é no que Owen se transforma no sétimo episódio, já que para ele o animal é a representação máxima de força e liberdade.

 

 

Como um cachorro desaparecido há sete anos e um falcão morto ressurgem no décimo episódio?

A presença deles parecem ser a maior pista que embasa a teoria de que Annie, Owen, Azumi e James ainda estão presos no mundo dos sonhos, em uma realidade que existe apenas em suas mentes.

A teoria de que Owen e Annie nunca acordaram demonstra que Maniac pode ser bem mais profunda e pesada do que aparentava ser a princípio. Ela remete ao mito da caverna de Platão: você prefere encarar a realidade do mundo cruel e assustador lá fora, ou viver para sempre se enganando na fantasia, conforto e felicidade da caverna? Se nossa vida toda não passasse de uma simulação comandada por um robô, você escolheria acordar ou viver o sonho para sempre?

Annie e Owen parecem felizes com a escolha da simulação. Com tanta coisa errada acontecendo no mundo, quem poderá julgá-los?

 

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Boo Mesquita

Geek de carteirinha e cinéfila, ama assistir a filmes e séries, ir a shows, ler livros e jogar, sejam games no ps4 ou boards. Quando não está escrevendo, pode ser vista fazendo pole dance, comendo fora ou brincando com cachorrinhos. Me siga no Instagram!

6 thoughts on “Maniac | O que realmente aconteceu no final? [Explicação]

  • 8 Outubro, 2018 at 11:05
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    Meu Deus! Vocês não existem. Ou são Deuses.
    De qualquer forma são um ponto fora da curva. Sempre.
    Adoro vocês.

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    • 9 Outubro, 2018 at 16:58
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      Ficamos muito felizes com seu elogio, Wagner! Que bom que você gosta de acompanhar nosso site! =)

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  • 12 Outubro, 2018 at 2:53
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    Achei incrivel essa analise, eu havia percebido só o carro no ultimo episodio, hahaha nao me liguei das outras referências mas faz todo sentido! Outra cena que lembrei é quando o Owen decide ir embora, conversa com a Gertie e resolve ficar para ajudar Annie – pode indicar que ele decidiu ficar preso tambem

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    • 25 Outubro, 2018 at 19:59
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      Nossa Priscila, não tinha pensado nesse detalhe! Adorei!

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  • 16 Dezembro, 2018 at 3:16
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    Melhor analize, melhor resenha

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  • 25 Setembro, 2019 at 9:17
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    Excelente analise, penso também que possa existir um pouco de Vanilla Sky também, o sonho eterno do protagonista, criando uma realidade paralela, ao transportar pessoas reais da sua vida, para a realidade inventada, por exemplo o médico, seria a figura paterna, algo do genero.

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