Black Mirror | Por que a 4ª temporada dividiu tanto as opiniões?

Se você já terminou de assistir os novos episódios de Black Mirror e resolveu fazer uma pesquisa na Internet ou bater um papo com amigos próximos, provavelmente percebeu que a 4ª temporada da série dividiu opiniões.

Enquanto muitos criticaram a temporada como um todo, outros foram bastante enfáticos para demonstrar suas insatisfações com alguns episódios específicos.

Por toda a web vemos uma profusão de listas e rankings dos melhores e piores episódios da série até aqui, gerando discussões bastante acaloradas que descambam em ofensas pessoais e fins de amizades. Ok, talvez eu tenha exagerado um pouco aqui.

De qualquer forma, este é um comportamento bastante irônico, quando se tratam de fãs de uma série que fez a exata sátira ao uso desenfreado da tecnologia para rankeamento, como vimos em Nosedive (Queda Livre – terceira temporada).

Mas por que os fãs foram especialmente críticos com esta temporada? Estamos aqui para tentar responder.

 

Expectativa X Realidade

black mirror - hang the dj - amy e frank na cama

 

Gostar ou não de algo é geralmente muito menos sobre a qualidade do objeto em si do que sobre a postura do observador. É sempre sobre expectativas.

Se você é convidado com antecedência para um jantar especial, em que lhe é pedido que vista sua melhor roupa, suas expectativas com certeza ficaram altas. Se te levam em um restaurante não tão bom, você provavelmente irá avaliar a experiência como um todo como bastante frustrante. Mas se você recebe um telefone de um amigo, com um convite para jantar naquele mesmo dia, no restaurante do exemplo anterior, ainda que não seja tão bom, provavelmente você não irá avaliar a experiência como tão frustrante. Talvez até a considere ok.

É isso que as obras atuais fazem conosco. Elas nos convidam com antecedência. Nos pedem para colocarmos nossas melhores roupas. Nos lembram todos os dias do encontro maravilhoso que teremos em breve. Nossas expectativas ficam nas alturas.

Vivemos a época do hype. Meses antes de uma obra ser lançada já vimos trailers, short films e featurettes, além de mil matérias sobre a produção do filme/série, com boatos, escândalos, promessas etc. Foi-se o tempo em que íamos ao cinema e escolhíamos um filme na hora para assistir. Antigamente era muito mais fácil sermos agraciados com uma grata surpresa.

O que advém daí é a frustração. Na psicologia, a Teoria da Equidade de Stacy Adams defende que esperamos ser recompensados de forma equivalente ao esforço que empregamos em uma tarefa. Se passamos mais tempo vivendo a antecipação de um filme ou série, é natural que esperemos uma maior recompensa por todo esse esforço.

 

Contos isolados sobre diferentes temas

black mirror - arkangel - menina no médico

 

Cada episódio de Black Mirror traz uma história específica. Este é um dos pontos fortes da série, que consegue trabalhar de forma magistral com diferentes premissas e conflitos em cada temporada, sem precisar se prender a apenas um roteiro ou temática principal.

No entanto, esta característica pode trazer um efeito colateral. Com diferentes narrativas, fica mais fácil confrontá-las umas com as outras, montando uma lista de preferências e apontando as que menos gostamos. Afinal, como sabemos que nossas preferências dizem muito sobre nós, gostamos de bradá-las aos quatro ventos, tentando expor quem somos ou a pessoa que gostaríamos de ser.

Nosso comportamento acaba sendo bem diferente do que em séries como Stranger Things ou Game of Thrones, em que somos levados pela narrativa geral da temporada e temos muito mais dificuldade em eleger episódios preferidos.

Como apontado pelo artigo da Vulture, o fato dos episódios de Black Mirror serem independentes entre si faz com que as pessoas a tratem muito mais como uma franquia do que como uma série “tradicional”. E não existe nada que as pessoas gostem mais de rankear do que franquias. Basta buscar por “os 10 melhores filmes da Marvel” ou “ranking dos melhores episódios de Star Wars“, para provar este ponto.

Se a Marvel lançasse 6 filmes diferentes no mesmo dia, por exemplo, com certeza haveria uma intensa batalha entre os fãs. O debate sobre os melhores e piores filmes seria bastante acalorado.

 

Amadurecimento crítico

black mirror - black museum - rolo haynes e nish no museu

 

Não há dúvidas de que a cultura pop evoluiu muito nos últimos anos. Em todos os meios as obras ficaram mais complexas e as narrativas mais bem estruturadas e engajantes. Filmes, séries, HQs, games… Qualquer que seja o meio, podemos notar a evolução.

É o que defende Steven Johnson em seu livro Tudo que é ruim é bom para você – Como os games e TV nos tornam mais inteligentes, ao afirmar que as obras culturais tem contribuído para deixar a sociedade como um todo mais inteligente. Seu ponto é de que estas obras tem exigido cada vez mais da nossa atenção, memória e capacidade de acompanhar diferentes linhas narrativas. E quando falamos de games, ainda é possível notar outros benefícios como melhora nos reflexos, raciocínio e capacidade cognitiva em geral.

Ao contrário do que pode parecer em alguns momentos, estamos sim mais inteligentes enquanto sociedade. E o público de cultura pop, principalmente na cultura nerd, mais crítico. Afinal, hoje em dia temos uma profusão enorme de obras, universos expandidos, narrativas cross-media e franquias para acompanhar. Isso faz com que tenhamos mais referências e bases de comparação.

Com esse arcabouço de referências, ficamos mais capazes de criticar roteiros, de curtir a fotografia de um filme, e até de pirar em sua paleta de cores (o que já virou piada em memes).

Mas o tiro sai pela culatra quando passamos a “superanalisar” estas obras, ou simplesmente usar estes argumentos mais técnicos para tentar racionalizar o porquê de não termos gostado de uma obra, quando muitas vezes apenas não fomos tocados por ela, ou seja, ela não nos despertou nenhum tipo de conexão emocional.

Apesar de um amadurecimento crítico, continuamos com dificuldades de captar a essência das obras, sua mensagem principal. A busca incessante por falhas ou inconsistências no roteiro nos faz, muitas vezes, perder a principal função do cinema ou de série enquanto arte: fazermos reflexões sobre assuntos profundos e nossa própria existência.

Existe um provérbio chinês que diz “Quando o sábio aponta para as estrelas, o idiota olha para o dedo”. Somos (e me incluo aqui) todos o “idiota” nesse contexto, focando demais nos aspectos técnicos (o dedo) e incapazes de absorver a mensagem principal (as estrelas).

E Black Mirror sempre foi sobre a mensagem, sobre as reflexões pessoais a partir das premissas trazidas por cada episódio.

 

Polarização

Black Mirror - Crocodile - Lágrimas de Crocodilo

 

Coxinhas X Petralhas, religiosos X ateus, DC X Marvel. Não importa a esfera social, estamos cada vez mais polarizados.

É difícil apontar exatamente as causas para esse comportamento, mas as redes sociais com certeza colaboraram no fenômeno. Diante da impossibilidade de nos mostrar todos os posts de nossos amigos e páginas que seguimos, redes como o Facebook precisam aplicar certos filtros para selecionar o que elas consideram como as mensagens mais relevantes para exibir na timeline de cada usuário.

São os famosos algoritmos, assim como os usados no aplicativo de relacionamentos de Hang the DJ.

Com base nos links que abrimos e nas postagens com as quais interagimos, o algoritmo do Facebook começa a entender nosso padrão de comportamento e os conteúdos que nos interessam. Com esse conhecimento em mãos, passa a nos mostrar cada vez mais mensagens parecidas com aquelas que interagimos no passado. Com o passar do tempo, este ciclo de feedback se intensifica, e acabamos presos em uma bolha que reforça nossas opiniões.

Mas a bolha não é perfeita. Se ainda fosse este o caso, cada um de nós viveria em seu próprio mundo, sem ser confrontado com opiniões contrárias as nossas. Muitas vezes esta bolha pode ser “furada”, como no caso de um familiar próximo que emite uma opinião política radical ou de uma página que faz uma comparação entre Vingadores e Liga da Justiça. Em ambos os casos, existe um conflito e ambos os lados da polarização são atraídos para o embate.

Diante destes embates, parece que tem sido mais importante deixar clara nossa “facção” do que tentar ter uma postura crítica e analisar os bons argumentos de cada lado. E por isso as discussões tendem sempre a agressividade e intransigência.

Voltando à 4ª temporada de Black Mirror, vemos muitas opiniões sobre episódios afirmando que foram “um lixo” ou “o pior da série”. Este tipo de crítica inviabiliza a absorção de qualquer tipo de mensagem positiva que o episódio poderia ter trazido a vida da pessoa, já que esta se fecha totalmente às mensagens. Black Mirror é um série bastante densa, que passa por diferentes temáticas em cada um dos episódios. É quase impossível não conseguir tirar algo positivo ou algum ponto de reflexão.

 

O problema é o fã clube

black mirror - uss callister - tripulação da nave

 

O que Los Hermanos e Jesus Cristo tem em comum? Ambos são bem legais, mas os fãs são insuportáveis.

A cultura dos fandoms pode ser bastante tóxica e agressiva, muitas vezes gerando uma indisposição no público geral, que já assiste à obra com preconceito pelo comportamento “xiita” de seus fãs.

Outra coisa que a banda e o profeta têm em comum é que não foram um sucesso logo de cara. No início atuavam de forma mais “independente”, em um pequeno nicho, antes de fazer sucesso e cair nas graças do resto da população. E como acontece com tudo que era underground e acaba ganhando fama, surgem os supostos “fãs raiz”. Com Black Mirror não foi diferente.

Dentre os “fãs raiz”, temos uma nova polarização. Uma parte tem o comportamento de afirmar que antigamente a série era melhor, e se apoiam em questões como a compra da série pela Netflix, ainda que o criador e roteirista Charlie Brooker continue sendo o grande responsável pelos roteiros. Outra parte endeusa Black Mirror, não importa o que aconteça, bradando aos quatro ventos o quanto a série é incrível e como todos os episódios estão interligados e possuem referências e easters eggs geniais.

A interação entre esses dois tipos de fãs formam a tempestade perfeita. Diante de críticas aos episódios e ao fato da série “não se tão boa quanto antes”, os fãs xiitas se sentem provocados a reagir, gerando discussões extremamente polarizadas e intransigentes.

 

Polêmica intencional

Charlie Brooker - Criador e Diretor de Black Mirror

 

Talvez esta tenha sido a intenção de Charlie Brooker com essa temporada. Desde o emblemático primeiro episódio de Black Mirror, The National Anthem, a série vem trazendo temas polêmicos para discussão, jogando na nossa cara nossos próprios defeitos e nossa relação nada saudável com a tecnologia.

Nesta temporada, a série foi ainda mais além, trazendo personagens realmente complexos, que dividem opiniões.

Daly em USS Callister sofria bullying ou era ele próprio um bully? Marie, a mãe de Arkangel era superprotetora além dos limites ou é algo que qualquer mãe acabaria fazendo em seu lugar? Mia em Crocodile era uma psicopata ou só foi levada a atitudes extremas para proteger sua liberdade e sua família? E por aí vai.

Definitivamente, foi uma temporada polarizante. E Charlie Brooker deve estar amando estas discussões.

 

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Marcos Malagris

Publicitário, professor de marketing digital e Psicólogo, gasta seu escasso tempo livre navegando na Interwebz, consumindo nerdices e contemplando a efemeridade da existência. Me siga no Twitter ou no Facebook!

10 thoughts on “Black Mirror | Por que a 4ª temporada dividiu tanto as opiniões?

  • 19 Janeiro, 2018 at 10:00
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    Muito bom Marcos! Vi muitas dessas discussões também e tenho uma leitura parecida. Anseio por um momento em que consigamos opinar de forma mais equilibrada. A ironia apontada com o episódio Nosedive e os sucessivos tankings dos episódios é maravilhosa, uma cultura bem Rotten Tomatoes inclusive…

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    • 19 Janeiro, 2018 at 19:01
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      Pois é! Uma coisa que me impressiona é como todos os sites tem sua própria nota para as obras. Logo arte que é algo tão difícil de “quantificar”… Cada obra mexe de um jeito totalmente diferente com cada pessoa. Por que essa necessidade de transformar tudo em números?

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  • 19 Janeiro, 2018 at 15:15
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    Belo texto! Me doí um pouquinho na crítica aos fãs de Los Hermanos haha, mas a analogia foi perfeita! Só adiciona os fãs radicais do Iron Maiden, Anitta, Maria Gadú e por aí vai. Ah, e não só com artistas. Fãs extremistas de qualquer coisa hoje em dia tendem para a intolerância, infelizmente.

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    • 19 Janeiro, 2018 at 19:02
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      Realmente, tem muitas bandas, artistas e obras que tem fã clubes chatos! rs

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  • 16 Fevereiro, 2018 at 8:04
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    “Mas o tiro sai pela culatra quando passamos a “superanalisar” estas obras, ou simplesmente usar estes argumentos mais técnicos para tentar racionalizar o porquê de não termos gostado de uma obra, quando muitas vezes apenas não fomos tocados por ela, ou seja, ela não nos despertou nenhum tipo de conexão emocional.” Discordo integralmente pq justamente isso supracitado é que é o papel do crítico de Cinema, isso é que é argumentação, estudo de caso/dissertação, não mera opinião. Quando não gostamos ou gostamos de algum filme/série, quando somos ou não tocados, é nosso dever racionalizar os motivos.

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    • 16 Fevereiro, 2018 at 15:47
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      Bom ponto de vista, faz total sentido!

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  • 20 Abril, 2018 at 13:34
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    Não acho que os temas levantados nessa temporada sejam especialmente polêmicos, acho que estão no nível dos temas das outras (White Bear é o maior exemplo disso). Acho que a culpa é do hype e da polarização, mas também achei alguns episódios um pouco aquém em algum ponto, seja por reciclarem intenções (Hang The DJ invocando San Junipero), conceitos (de novo os cookies, sempre eles) ou por serem ideias sem um desenvolvimento (como Metalhead, que adorei mas é um thriller apoiado num conceito). Relutei muito, mas não consegui deixar de chamar Arkangel de lixo, o único da série.

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    • 20 Abril, 2018 at 15:41
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      Obrigado pelo comentário, Carol!
      Realmente alguns temas foram retrabalhados, mas na minha opinião sempre por outra perspectiva e abrindo novas discussões, então isso não me incomodou. =)

      Sobre Arkangel, por que achou tão ruim? Eu curti!

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  • 31 Agosto, 2018 at 20:06
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    Faz análise dos episódios da primeira, segunda e terceira temporada também, por favor, seus textos são ótimos ! Melhores análises !

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  • 14 Dezembro, 2018 at 13:55
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    Concordo quando diz que gostamos ou não de um episódio pela forma com que ele nos toca e sobre a série trazer uma série de críticas profundas a determinados hábitos e comportamentos, a nossa relação com a tecnologia e o futuro da sociedade. Fiquei bastante surpresa com a quantidade de críticas a White Bear e Black Museum, pq foram os episódios que mais mexeram comigo – de terminar com ânsia, mal-estar e falta de ar, um sentimento de verdadeira repulsa (e, por isso, achei tão incríveis – pela sua densidade), enquanto não vi nada de espetacular em San Junipero e Fifteen Million Merits – achei surpreendentes, mas nada demais. Cada episódio traz uma reflexão diferente, desperta um sentimento… não é série pra maratonar, é série pra assistir um episódio de cada vez. Pensar, absorver, digerir e seguir pro próximo (se conseguir).

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