The Handmaid’s Tale | O que esperar da 2ª temporada e suas 4 principais mulheres
The Handmaid’s Tale deveria ser uma série obrigatória. Não à toa foi a grande vencedora do Emmy de 2017.
Baseada no livro de Margaret Atwood, O Conto da Aia, a história disfarça-se de ficção, mas é um alerta ao que pode acontecer se não vigiarmos nossas ações, os políticos que apoiamos e a nossa responsabilidade em gerar um mundo de igualdade para todos. Infelizmente a segunda temporada da série está sendo exibida apenas pela plataforma Hulu, serviço de streaming ainda não disponível no Brasil, mas você pode assistir à primeira no Paramount Channel.
A série mostra um futuro distópico nos Estados Unidos em que foi instaurada uma nova ordem social regida por um grupo cristão fundamentalista, através de um golpe no governo. E um fator agravante: a infertilidade assola o país e a maior parte das mulheres são incapazes de gerar filhos. Esta nova República teocrática, nomeada Gilead, vive isolada de outros países, e por isso não temos muitas informações sobre como o resto do mundo está lidando com os problemas de infertilidade.
A primeira temporada narra de forma bastante fiel os acontecimentos da obra original de Atwood, e leva a história da personagem principal, June/Offred, até seu último momento no livro. Por conta disso, foram gerados muitos questionamentos sobre a qualidade da segunda temporada, já que a trama seria obrigada a avançar além do final oficial do livro.
No entanto, O Conto da Aia traz um epílogo que dá um salto temporal de 200 anos, trazendo uma discussão acadêmica sobre o que aconteceu naquela época. Em uma entrevista para The Hollywood Reporter, Bruce Miller, produtor executivo da série, revelou que esta será exatamente a matéria prima na qual a segunda temporada irá se basear.
A segunda temporada de The Handmaid’s Tale estreou no Hulu dia 25 de abril com um episódio duplo (June e Unwomen), e já mostrou que a qualidade não deixa nada a desejar em relação ao primeiro arco da série. Se em seu primeiro momento, a narrativa teve de focar na explicação do futuro distópico e em como Gilead funcionava politicamente através de suas diferentes castas, neste novo estágio poderá focar ainda mais nos conflitos pessoais das personagens e em seus próprios arcos evolutivos, o que já ficou bastante claro nos dois primeiros episódios, que focam em June Osborne/Offred (Elisabeth Moss) e Emily/Ofglen (Alexis Bledel), respectivamente.
Pela temática feminista de The Handmaid’s Tale e pelas interpretações primorosas das atrizes, vencedoras dos Emmys de Melhor Atriz de Drama (Elisabeth Moss), Melhor Atriz Coadjuvante (Ann Dowd, Tia Lydia) e Melhor Atriz Convidada (Alexis Bledel), não há dúvidas que é na complexidade dos conflitos internos de suas personagens que reside o potencial dramático da série.
Focaremos esta resenha então na evolução das personagens June, Ofglen, Serena e Tia Lydia (Aunt Lydia) e em nossas previsões sobre seus arcos nesta segunda temporada de The Handmaid’s Tale. A partir daqui você poderá se deparar com spoilers da primeira temporada.
Proceda por sua conta e risco.
June/Offred
Ao final da primeira temporada de The Handmaid’s Tale, June Osborne conta com a ajuda de Nick (Max Minghella) para fugir da casa do Comandante Fred Waterford (Joseph Fiennes) e sua esposa Serena Joy Waterford (Yvonne Strahovski), ainda que não saiba exatamente para onde está indo. Sua situação é uma das mais complicadas na série, considerando que está grávida, carregando o filho que será do Comandante e de Serena (ainda que o pai biológico seja Nick), e continua afastada de sua filha Hannah.
Para complicar ainda mais sua condição, ao final da primeira temporada June recebe a notícia de que seu marido Luke Bankole (O-T Fagbenle) ainda está vivo e a salvo, e este fato coloca a personagem em uma encruzilhada: deveria June tentar o reencontro com Luke, o resgate de sua filha Hannah, ou prezar pela segurança do filho que carrega em seu ventre?
Enquanto grávidas, as Aias contam com uma vida de cuidados, sendo privadas de torturas físicas e psicológicas e algumas regalias que não possuíam até então. No entanto, pelas expectativas de Serena em relação ao filho que June carrega, esta acaba passível de chantagens e ameaças, e a esposa do Comandante usa a segurança de Hannah como moeda de troca para que June aceite sua condição de Offred e não tente mais nenhum tipo de fuga ou revolta.
Ao mesmo tempo que June precisa lutar pela sua vida e tentar o reencontro com sua família, vemos na personagem um embrião de revolução. Ao longo de seu exílio, June aprende o conceito de sororidade e entende o valor de seu apoio às outras Aias, principalmente quando consegue convencer Janine (Madeline Brewer) a não se matar junto com seu bebê.
Mas, em suas interações com Ofglen na primeira temporada, descobre que existe algum tipo de resistência se armando contra o regime fascista de Gilead e se voluntaria a ajudar. Em uma emblemática frase no último episódio, June brada: “a culpa é deles. Nunca deveriam ter nos dado uniformes se não queriam que fôssemos um exército”.
No entanto, é bastante improvável que, diante da luta pela própria vida e da tentativa de se reunir com sua família, June consiga liderar algum tipo de revolução.
Nossa aposta é que o papel de liderar a revolução acabe com outra personagem, Oflgen.
Emily/Ofglen
Como sabiamente disse Goethe, “perigoso é aquele que não tem nada a perder”. E esta parece ser exatamente a situação de Emily.
June conhece Emily ainda enquanto Ofglen, pois são designadas como parceiras. Ambas precisam fingir que são adeptas ao novo sistema e secretamente consideram a outra como “traidora”, mas logo se reconhecem como iguais. Como Ofglen revela a June, “a Gilead é bastante competente em deixar as mulheres umas contra as outras”.
Aos poucos, o passado de Emily é revelado em The Handmaid’s Tale, e descobrimos que antes do golpe de estado a personagem ensinava biologia celular em uma faculdade. Casada com outra mulher, possuía um filho chamado Oliver, e tentou fugir com sua família para o Canadá, diante do cenário de instabilidade nos Estados Unidos. Sua mulher, cidadã canadense, e filho conseguiram imigrar, mas Emily foi impedida por não ter um passaporte do Canadá. Por ser fértil acabou sendo designada como Aia.
Em sua nova vida como Ofglen, acaba indo a julgamento por se relacionar sexualmente com uma Martha, casta de empregadas domésticas com status social abaixo das esposas e que não atuam como Aias por serem inférteis. Ambas são condenadas, mas Ofglen consegue escapar da pena de morte por “Deus tê-la abençoado com a fertilidade”.
Ofglen, portanto, é obrigada a assistir sua parceira ser enforcada e como punição é mutilada, sofrendo uma clitoridectomia forçada. Posteriormente, é designada para uma nova família, e renomeada como Ofsteven. Em uma ida ao mercado, rouba um carro e atropela um Guardião, o que a condena a uma vida de trabalho forçado nas Colônias.
A vida nas Colônias é difícil e as condenadas vivem em uma espécie de campo de concentração, em condições sub-humanas e totalmente expostas à radiação de alguma tragédia nuclear ainda não revelada pela série.
Depois de ver sua parceira enforcada, sofrer uma mutilação e claramente já estar afetada pela radiação, Emily não tem mais nada a perder, e claramente conta com a motivação necessária para liderar uma revolução. Afinal, ela fazia parte do grupo da resistência, May Day, e já mostrou que tem o respeito das outras Aias e não hesita em fazer o que precisa ser feito, à la Rick, em The Walking Dead.
Esperamos que em seu arco narrativo também seja explicado o que ocorreu para gerar a tragédia radioativa. Dentre as possibilidades, é possível que tenha ocorrido uma guerra entre nações, ou mesmo o governo deposto pode ter destruído os armamentos nucleares por medo de cair nas mãos da Gilead. Não seria impossível também que o próprio movimento que instaurou o novo governo tenha destruído usinas nucleares para simular ataques terroristas.
No entanto, certo que a personagem terá dificuldades para abandonar as Colônias, e talvez tenha de começar a revolução por lá mesmo. Mais do que isso, não acreditamos que a revolução será possível sem contar com uma situação de sororidade e apoio entre as mulheres de diferentes castas.
O que nos leva à Serena.
Serena
Serena Joy Waterford é a esposa do Comandante Fred, e por ser infértil, deposita em Offred suas esperanças de ser mãe. Mas a complexidade da personagem vai muito além disso, e começa com seu papel na revolução que deu origem ao novo regime.
Nas cenas de flashback, vemos a vida normal de Serena e Fred antes de Gilead, em que ambos se tratam como iguais e compartilham a paixão por suas ideias. Serena atuava como uma ativista do conservadorismo (tendo inclusive sido presa por incitar uma manifestação), mais conhecida pelo seu livro A Woman’s Place (O Lugar de Uma Mulher).
O livro de Serena Joy trazia a frase que ficou famosa entre os simpatizantes do novo regime: “não confunda com fraqueza a humildade de uma mulher”. A autora defendia o conjunto de suas ideias como “feminismo doméstico”, algo extremamente contraditório, mas apoiado na ideia de que a fertilidade da mulher teria se tornado um bem nacional e o seu destino biológico seria viver por seus filhos.
Apesar de sua postura ativa na “revolução”, Serena (assim como todas as mulheres) teria sido colocada de lado durante o planejamento deste novo governo teocrático, que se dedicou para que as mulheres não “esquecessem seu real propósito”. De forma bastante simbólica, a personagem acabou tendo que aceitar seu papel limitado e passivo na nova sociedade que ela mesmo ajudou a criar.
Seu livro é visto sendo jogado no lixo.
Voltando ao tempo presente na narrativa de The Handmaid’s Tale, Serena começa a assumir um papel mais complexo quando faz arranjos para que Nick engravide Offred. A esposa do comandante percebe o fato de que ele seria estéril e toma uma postura ativa para resolver o problema. Em um momento de raiva, acaba confrontando Fred e diz que o bebê que Offred carrega nem mesmo é dele.
Diante da situação, Serena faz o possível para garantir sua unidade familiar e o bem estar de seu futuro herdeiro, mesmo que tenha que chantagear Offred, ameaçando a segurança de sua filha Hannah, caso a Aia não coopere com seus planos.
No entanto, realmente acreditamos em um arco de redenção para a personagem. Ao longo da primeira temporada começamos a ver sua paciência e subjugação diminuindo, adquirindo uma postura mais ativa e em diversas ocasiões confrontando o Comandante Fred.
Assim como Ofglen, Serena é culta e inteligente, e nossa aposta é de que ela começará a perceber que o novo regime está contaminado por hipocrisia. Se a única coisa que mantinha a “família” unida era a esperança de um filho, pode ser que com a fuga de Offred, esta estrutura já deteriorada venha a desmoronar.
Quem sabe Serena poderá inclusive assassinar o Comandante?
Tia Lydia
Tia Lydia teve um papel coadjuvante na primeira temporada, com poucas cenas, mas tudo indica que ganhará um pouco mais de tempo de tela nesta segunda temporada de The Handmaid’s Tale. Principalmente após a atriz Ann Dowd ter ganho o Emmy de Melhor Atriz Coadjuvante.
Nossa aposta é que a personagem será melhor desenvolvida, e entenderemos melhor suas motivações para ocupar um papel tão cruel nesta nova sociedade, em uma função que a obriga a aplicar punições violentas às Aias.
As Tias na estrutura de Gilead tem o papel de instituição disciplinar, aplicando a vigilância sobre as Aias e, através da coerção, ajustando seu comportamento. Os centros de “treinamento” das Aias lembram muito os hospitais psiquiátricos, que buscavam através de tratamentos controversos e violentos reajustar o comportamento dos indivíduos desviantes das normais sociais.
Tia Lydia, por sua vez, é uma peça essencial e exemplar nesta nova ordem, já que, ao que tudo indica, realmente acredita fielmente na ideologia que fornece as bases para a Gilead. E isto é essencial para se manter a estrutura coercitiva desta instituição e seguir ordens até as últimas consequências.
No entanto, uma boa reviravolta pode ser a descoberta de que Tia Lydia não acreditaria tão fielmente assim nas bases ideológicas deste novo governo teocrático, mas teria sido levada a cometer atrocidades pois este comportamento seria um Mal naturalizado e instucionalizado neste novo contexto político.
A filósofa e escritora alemã Hannah Arendt abordou esta questão por meio do conceito de “banalidade do mal“, mostrando através da análise do julgamento de Adolf Eichmann, tenente-coronel da SS na Alemanha Nazista, como o ser humano é capaz de executar crimes terríveis apenas por estar cumprindo ordens para crescer em sua carreira profissional, assim como qualquer indivíduo em uma lógica empresarial burocrática.
Por se tratar de um governo fascista, são inúmeros os paralelos entre a sociedade de The Handmaid’s Tale e o governo nazista, e neste ponto específico entre as Tias e a Schutzstaffel, a temida SS: organização paramilitar instituída pelo governo de Adolf Hitler, cuja lema era “meine ehre heißt treue”, ou “minha honra chama-se lealdade”.
Seria muito interessante que a série se dedicasse a trazer uma visão sobre o tema, que é extremamente importante para a discussão sobre direitos humanos. É essencial entender o passado de atrocidades da raça humana para evitar novos regimes fascistas e distopias como a vida em Gilead.
A julgar pela complexidade destas quatro personagens, a segunda temporada de The Handmaid’s Tale tem o potencial de manter o altíssimo nível da primeira, e talvez até mesmo superá-la.
Pelas reflexões geradas pela série, torcemos para que ela se torne ainda mais popular e relevante, pois somos a todo momento confrontados com temáticas que dialogam diretamente com questões muito presentes em nossa sociedade atual. E o mais impressionante é que o livro que deu origem à série, O Conto da Aia, tenha sido escrito em 1985.
O mundo realmente precisa de mais séries como The Handmaid’s Tale.
E boas notícias: no dia 2 de maio, apenas uma semana após a estreia da segunda temporada, a Variety revelou que a premiada The Handmaid’s Tale da Hulu será renovada e contará com uma terceira temporada. É uma ótima notícia, e ainda que não exista material de Margaret Atwood para se basear, os produtores tem tudo para fazer um bom trabalho, pelo que já podemos ver nestes primeiros episódios.
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Ótima análise. Estou acompanhando e curtindo muito a série. Nos faz pensar. Realmente seria ótimo se ela servisse de alerta para o que pode nos aguardar num futuro próximo. É fácil mexer com a cabeça das pessoas…
Verdade! Por isso dizemos que ela deveria ser uma série obrigatória. Apesar de uma ficção, a narrativa de The Handmaid’s Tale nos mostra o passo a passo de como a revolução fundamentalista ocorreu. Portanto, é bastante verossímil.
A série é mto boa, mas dizer que segue o livro, é demais… a personagem de elizabeth em nada se parece com a do livro… de fiel ao livro, tem muito pouco
Oi, Nat! Curioso, lerei o livro novamente para verificar essas diferenças na personalidade da June! Achei que no geral a série foi bem fiel a ele, e na minha opinião, até superou minha experiência com o livro! Esse season finale da 2ª temporada então!