Game of Thrones | Melisandre e a profecia de Azor Ahai estavam erradas?

As profecias têm função central no mundo ficcional de Game of Thrones, não só tornando a trama mais interessante, mas fazendo os espectadores especularem sobre seus significados e teorizarem sobre os personagens que as executarão. O mito de Azor Ahai é um ótimo exemplo desta que talvez seja uma das principais características responsáveis pelo sucesso da saga, que abre bastante espaço para a discussão de teorias pelos fãs.

Nos acontecimentos da Guerra dos Tronos, as diversas profecias têm como função não só explicar os acontecimentos, conectando-os com histórias do passado, mas também ajudam a guiar os personagens para tomar protagonismo e desempenhar o papel que lhes é esperado no grande esquema das coisas.

Ainda que a versão televisiva da HBO de As Crônicas de Gelo e Fogo, de George R. R. Martin, precise inevitavelmente resumir um pouco a trama dos livros e centralizar a narrativa no ponto de vista de menos personagens, este é definitivamente um de seus pontos fortes: explorar o papel individual de cada personagem no desenrolar dos grandes acontecimentos da série.

E mais do que isso, gerar discussões sobre se os feitos destes personagens ocorreram por acaso, ou porque estavam predestinados a isso.

No terceiro episódio da oitava temporada, A Longa Noite (também conhecido como A Batalha de Winterfell), uma das profecias mais centrais de Game of Thrones contou com uma possível resolução: a lenda de Azor Ahai.

No entanto, as coisas ocorreram de forma um pouco diferente do esperado, o que levantou um questionamento interessante sobre a validade destas profecias no universo da saga.

 

Atenção, pois a partir daqui esta resenha será escura e cheia de spoilers

 

A Batalha de Winterfell foi uma das produções televisivas mais ambiciosas da história, levando 55 noites para ser filmada. Apesar do episódio ter gerado críticas quanto à deliberada fotografia escura que impediu o entendimento de muito do ocorrido, e dos erros de estratégia do time “do bem”, é indiscutível o sentimento de suspense e agonia provocado pelos showrunners da série, David Benioff e D.B. Weiss.

O episódio, com sua épica duração de 1 hora e 22 minutos de pura adrenalina, culmina em algo para o qual a série nos preparou durante suas oito temporada: a derrota do Rei da Noite. E com isso, a lenda de Azor Ahai, umas das mais importantes profecias de Game of Thrones tem sua resolução.

A escolhida para o golpe final, que derrotaria o líder os Caminhantes Brancos (White Walkers) e colocaria fim a Longa Noite, foi ninguém menos que Arya Stark (Maise Williams), filha de Eddard “Ned” Stark (Sean Bean) e Catelyn Stark (Michelle Farley).

Arya Stark de fato percorreu um longo caminho para chegar até ali. Enfrentou a perda de seu pai e o afastamento de sua loba, Nymeria, as aulas na esgrima bravosi de Syrio Forel, seu aprisionamento como escrava em Harrenhal, a captura por Sandor Clegane (o “Cão de Caça”) e a vida como “Gata dos Canais”, no treinamento com os Homens sem Face em Bravos. Sem dúvida, um percurso que a qualificaria para o importante papel desempenhado na Batalha de Winterfell.

Mas este árduo percurso é suficiente para elencá-la como “O Príncipe Prometido”, Azor Ahai?

 

A Lenda de Azor Ahai

azor ahai

 

Melisandre de Ashai é um dos personagens mais enigmáticos de Game of Thrones, ganhando um especial destaque na série, fruto da brilhante atuação da atriz holandesa Carice Van Houten. Frequentemente chamada de “Mulher Vermelha”, Melisandre é originária do continente de Essos, sendo sacerdotisa do Senhor da Luz, R’hllor, e atuando em boa parte da série como conselheira de Stannis Baratheon em sua busca pelo Trono de Ferro.

Além do uso de sua magia negra (ou vermelha) em diversas interferências na guerra pelo Trono, Melisandre também é uma das grandes responsáveis por disseminar a lenda de Azor Ahai, “O Príncipe que Foi Prometido”, em Westeros.

De acordo com a profecia, Azor Ahai seria uma figura lendária, instrumento do Senhor da Luz, que derrotou os Outros na batalha da Longa Noite, aproximadamente oito mil anos antes da chegada dos Targaryen a Westeros. Para isso, Azor Ahai forjou uma espada mágica, chamada de Luminífera, que só teve seu verdadeiro poder “libertado” após o sacrifício de sua amada, Nissa Nissa. Ao mergulhar a espada no coração de sua esposa, o herói ativou a espada de fogo, arma que o ajudou a derrotar o exército do mal nesta lendária batalha.

Desde então, acredita-se no mito de que Azor Ahai iria retornar, em um momento de necessidade, para enfrentar novamente o Rei da Noite, nascendo em meio a “sal e fumaça”, para sacrificar novamente sua amada e empunhar a Luminífera na luta contra o mal. E isto só ocorreria quando a “estrela vermelha sangrar os céus”, fato que pode ser associado ao cometa de fogo que vemos na primeira temporada sobrevoando os céus de Westeros.

“Haverá um dia depois de um longo verão, quando a estrela sangrar e o sopro frio da escuridão cair sobre o mundo. Nessa hora, o guerreiro irá tirar do fogo uma espada em chamas. E essa espada será a Luminífera, a espada vermelha dos heróis, e quem a empunhar será Azor Ahai, e a escuridão fugirá diante dele.”

Algumas citações desta profecia ao longo da série foram suficientes para que o fãs mais fervorosos começassem a especular sobre quem seria o “Príncipe Prometido”, elencando seus favoritos. Alguns dos personagens mais citados foram Rhaegar Targaryen, Jon Snow, Daenerys, Stannis Baratheon, Beric Dondarion e até Jaime Lannister.

 

jon e daenerys game of thrones oitava temporada

 

Afinal, era possível identificar, ao longo dos acontecimentos da série e do passado destes personagens, características que cumprissem os requisitos da profecia, como o nascimento em “sal e fogo”, a espada de fogo e o sacrifício de um amor, ainda que muitas vezes de forma metafórica.

Mas uma possibilidade passou desapercebida: a menina Arya Stark, cujo arco de evolução ao longo da saga conferiu as habilidades necessárias para derrotar o Rei da Noite em um ataque direto, a partir da armadilha criada por Bran e o exército dos vivos, em Winterfell.

No entanto, não parece haver evidências suficientes de que Arya Stark cumpra os pré-requisitos descritos na lenda de Azor Ahai.

E isto nos faz pensar no verdadeiro papel desta profecia.

 

O papel dos mitos e as profecias autorrealizáveis

sam game of thrones

 

Toda cultura possui seus mitos, histórias passadas de geração para geração. Estas narrativas, que confundem-se entre realidade e imaginação, figuram em diversas sociedades mesmo antes do desenvolvimento da escrita, e possuem um importante papel na convivência humana.

Para manter um grupo coeso, é preciso que o coletivo compartilhe dos mesmos valores. Estes acabam atuando como princípios éticos e morais, que podem ir desde não causar mal ao próximo a não comer carne vermelha em uma determinada sexta-feira do ano.

No entanto, todas as culturas e sociedades humanas perceberam que é muito mais fácil disseminar valores e conhecimentos quando eles são contados em forma de uma narrativa, o que facilita atrair a atenção do público e criar possibilidades para que este relacione o conhecimento apresentado com a realidade de seu dia a dia.

Estas histórias, lendas e contos, apresentam-se como bons instrumentos para perpetuar valores entre gerações, carregando, geralmente ao final, uma lição. Não à toa mitos atuam como a base de diversas religiões.

No universo de Game of Thrones não é diferente. Dado que o conhecimento não é tão difundido dentre a sociedade, ficando centralizado na figura dos Meistres e da Cidadela, as pequenas narrativas como músicas, anedotas e mitos são um instrumento para desenvolver uma sensação de pertencimento a uma cultura, integrando os participantes da sociedade e passando à frente valores morais.

 

tyrion e podrick

 

As profecias, tão comuns nas terras de Westeros e Essos, atuam da mesma forma. E não são poucas. A lenda de Azor Ahai, a Longa Noite, O Corvo de Três Olhos, A Casa dos Imortais, O Renascimento dos Dragões, Os Homens de Mil Faces, Os Filhos da Floresta… são diversas as histórias compartilhadas entre seus habitantes, que em geral possuem um caráter profético e de inevitabilidade, como as grandes tragédias gregas.

O poder das profecias é tão grande que muitas vezes vão além de prever eventos futuros, mas atuando ativamente para que eles ocorram de fato.

Este fenômeno recebe o nome de profecia autorrealizável. De forma resumida, é uma crença que provoca sua própria concretização, ou seja, quando alguém espera ou acredita fielmente que algo irá acontecer, age de forma como se a previsão já fosse real, e assim esta suposição acaba por efetivamente se realizar.

Um exemplo bobo, mas que ilustra bem o fenômeno, é quando acreditamos que não iremos passar em uma prova, porque não sabemos o suficiente. Diante dessa previsão, é possível que nem nos demos ao trabalho de estudar, já que não iremos passar mesmo. E então, ao não estudar, reduzimos drasticamente nossa chance de efetivamente passar na prova, e a profecia se conclui.

 

melisandre azor ahai 2

 

Voltando ao mito de Azor Ahai, nos deparamos com um fenômeno parecido, que nos leva além do simples questionamento sobre quem é o verdadeiro “Príncipe Prometido”.

Melisandre, ao longo da série, conta a profecia para diferentes personagens, já que ela mesma parece não ter tanta certeza sobre quem seria de fato o escolhido de R’hllor, o Senhor da Luz. Inicialmente, a sacerdotisa deposita suas fichas em Stannis Baratheon, depois em Jon Snow. Além destes, parece deixar claro para outros personagens que estes ainda tem “um papel a desempenhar” e por isso seriam também protegidos de R’hllor, como Arya e Beric Dondarion, por exemplo.

Desta forma, Melisandre acaba sendo uma grande articuladora para que a lenda de Azor Ahai com efeito se concretize. Por acreditar fielmente na profecia que dissemina, suas ações são guiadas por uma fé em sua inevitabilidade.

E por resiliência e dedicação, a profecia se concretiza.

 

Ainda importa quem seria Azor Ahai?

arya e melisandre azor ahai

 

Por toda a dedicação e articulação de eventos de Melisandre, talvez possamos acreditar que ela própria seria Azor Ahai. Principalmente considerando que, após findada sua participação na grande batalha, seu corpo se desintegra, já que não possui novos papéis a cumprir.

Ou talvez possamos acreditar que Arya tenha desempenhado o papel do Herói Prometido por um acaso, diante das diversas possibilidades de personagens com passados dignos de executar o papel mais importante na luta contra o mal.

Se Jon Snow conseguisse chegar até ao Rei da Noite para uma luta de espadas, talvez também conseguisse derrotá-lo. Assim como Sor Jorah, Jaime Lannister e Brienne , afinal, todos estes empunharam espadas de aço valiriano na Batalha de Winterfell. Ou até Daenerys, caso o fogo de seu dragão, Drogon, tivesse surtido efeito contra o líder dos White Walkers.

Isto tudo nos leva a crer que pouco importa a figura do Azor Ahai renascido em si, mas sim o considerável poder das crenças e mitos, que vão muito além de simples histórias e podem de fato guiar ações e definir o futuro.

A longa noite chega ao fim.

 

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Marcos Malagris

Publicitário, professor de marketing digital e Psicólogo, gasta seu escasso tempo livre navegando na Interwebz, consumindo nerdices e contemplando a efemeridade da existência. Me siga no Twitter ou no Facebook!

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