Olhos que Condenam | Entre a cor da pele e das grades [Análise]

A Netflix lançou recentemente Olhos que Condenam (When They See Us), uma minissérie que vem mexendo com o emocional de muitas pessoas devido à sua história forte e que mostra uma realidade ainda existente: o racismo.

Escrita e dirigida por Ava DuVernay, Olhos que Condenam conta a história do famoso caso real dos cinco do Central Park, cinco jovens negros acusados e condenados injustamente por um estupro que não cometeram.

Em uma noite de 1989, os adolescentes negros e moradores do Harlem Antron McCray (Jovan Adepo), Kevin Richardson (Asante Blackk), Yusef Salaam (Chris Chalk), Raymond Santana (Freddy Miyares) e Korey Wise (Jharrel Jerome) foram com outros garotos para o Central Park com a intenção de se divertir. Mas uma triste coincidência aconteceu naquela mesma noite de abril.

Uma corredora branca foi violentamente espancada e estuprada também no Central Park, próximo ao local onde os garotos se divertiam. Ao chegar ao local, a polícia prendeu alguns destes jovens e os levou sob custódia.

Linda Fairstein (Felicity Huffman) era a promotora responsável por chefiar a Unidade de Crimes Sexuais do Ministério Público de Manhattan e foi a responsável pela investigação do caso da corredora. Enquanto isso, Elizabeth Lederer (Vera Farmiga) era a promotora responsável pelo julgamento dos cinco de Central Park.

No entanto, sem nenhuma intenção de investigar o caso mais afundo, a promotora logo decide criar uma linha narrativa conectando os cinco jovens negros com o estupro da corredora branca. Inicia-se assim uma série de interrogatórios arbitrários, sem a presença de nenhum advogado, dos pais ou qualquer outro responsável legal desses meninos.

 

um dos cinco do Central Park indo para o julgamento em Olhos que Condenam

 

A polícia exerce pressão psicológica, seguida de agressões em algum deles. Promessas infundadas são feitas por parte da força policial com o objetivo de extrair dos meninos uma informação que não era verídica.

Desamparados, os garotos foram levados a crer pela polícia que se eles confessassem, poderiam ir para casa.

Olhos que Condenam gera ao telespectador um misto de raiva, empatia e indignação. Com um roteiro cativante, forte narrativa e fotografia intimista, a obra traz para o público um poderoso momento de reflexão. Em um mundo de injustiças, como lidar contra os nossos próprios preconceitos?

 

Atenção, pois os próximos tópicos desta crítica contêm spoilers de Olhos que Condenam! Prossiga com cuidado!

 

Entre a cor da pele e das grades

Korey segura a placa de preso em Olhos que Condenam

 

Perceba que em todo tempo destaco que a vítima do estupro era branca e quatro dos cinco jovens que estavam sendo acusados eram negros, além de um latino. Pois bem, os cinco adolescentes foram coagidos a confessarem algo que não haviam feito. Foram forçados a criar detalhes de um crime não cometido, a assinar um documento de confissão, além de gravar um vídeo supostamente dando detalhes do crime sórdido.

A promotora Linda Fairstein acusava os jovens sem nenhuma evidência física ou prova concreta dos acontecimentos. Não havia arma do crime ou qualquer indício que ligasse concretamente cada um dos garotos à vítima de estupro. A única arma contra os meninos eram as confissões que foram coagidos a fazer.

Após criar todo o cenário de ataque da vítima branca pelas mãos de jovens negros e conseguir extrair as confissões, é iniciado o processo de julgamento. Ao se tornar público, o caso dividiu opiniões nos Estados Unidos de 1989.

Infelizmente, no fim do julgamento esses cinco garotos foram condenados por um crime que não cometeram. Durante anos sofreram a vida na prisão, a condenação da opinião pública e as dificuldades de ser um recém presidiário com rótulo de estuprador.

Olhos que Condenam não é apenas baseado em uma história real. É também baseado em dois contextos presentes tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil.

O primeiro contexto é o do racismo, mais declarado nos EUA e mais velado em nossa nação tupiniquim – mas não por isso deixar de estar presente. O negro é marginalizado, coisificado e imputado a um contexto de criminalidade onde todos os negros são vistos como ameaças.

 

Korey chora no julgamento em Olhos que Condenam

 

Nessa história é clara a visão racista que ligou o crime aos jovens negros, pois escravocrata entende que o negro pensa e age como animal, sem compreender que a cultura negra é ancestral.

Este episódio lembra a marcha de Martin Luther King Jr. em Selma, outra história transformada em arte por Ava Duvernay no longa Selma: Uma Luta pela Igualdade (2014). Nela, brancos olhavam os negros com bastões nas mãos como se fossem animais tentando fugir.

Historicamente, os negros foram retirados de suas terras gloriosas, submetidos à humilhação e logo depois largados às margens dos centros urbanos. Para os cinco do Central Park, o Harlem era suas margens e para a promotora Linda, a corredora foi estuprada por negros que quiseram ultrapassar os limites da margem.

Um segundo contexto fortemente aplicado na minissérie é o das prisões injustas. Quantos casos existem de pessoas que são presas injustamente porque não se investiga de forma concreta e objetiva?

Recentemente tivemos um caso na cidade do Rio de Janeiro. Uma jovem foi confundida com sua irmã, que havia cometido alguns crimes. Ela então foi presa injustamente no lugar de sua irmã, sem nenhuma prova da autoria dos crimes.

Pessoas sendo presas injustamente é uma triste realidade. Mas a ânsia por culpados e a pressão popular e midiática fazem com que a nossa justiça muitas vezes se torne totalmente injusta.

Aprendemos uma lição valiosa com Olhos que Condenam. O ser humano tem a capacidade de condenar sem antes ouvir, conhecer, avaliar. Somos seres impetuosos no julgamento, pois a nossa bússola moral sempre pende para o lado do outro e nunca para o nosso próprio umbigo.

Alinhando esse desregulado senso moral aos nossos preconceitos, projetamos monstros sociais que são capazes de destruir muito mais vidas do que de fato um criminoso ou uma arma.

 

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Lucas Lisboa

Fotógrafo por amor, skatista por natureza e nerd na essência, encontrou no jornalismo e no cinema uma forma de expressar suas ideias e sua visão do mundo. Series, filmes e bons livros me alimentam e escrever me liberta. Aquele que perde o amigo, mas não perde a piada. Follow me!

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