Power | Crítica à descartabilidade dos negros e oprimidos no novo sci-fi da Netflix!

Power (Project Power, no original) é um daqueles filmes originais genéricos da Netflix que tentam pegar carona no sucesso de outros do mesmo gênero e que tinha tudo para ser esquecível. Nele, ficção-científica, ação e noir se unem ao mundo dos super-heróis em uma Nova Orleans futurista.

Dirigido pela dupla Henry Joost e Ariel Schulman (Atividade Paranormal 4), Power retrata a luta de um policial (Joseph Gordon-Levitt) contra o avanço de uma droga pelas ruas de Nova Orleans. O elemento sci-fi do longa está nos efeitos da droga chamada “power“: quem a consome adquire de forma aleatória algum tipo de superpoder durante um período de 5 minutos. Ou então explode.

Enquanto o policial Frank tenta combater o crime em sua cidade natal, agora muito mais recorrente pelo uso do “poder”, Art (Jamie Foxx) precisa encontrar a fonte da droga para descobrir o paradeiro de sua filha Tracy (Kyanna Simpson).

A trama e o estilo narrativo de Power são bastante clichês. É mais um filme de ação que recorre a muitas explosões e efeitos especiais bastante questionáveis (além de uma saudosista homenagem ao Exterminador do Futuro 2). Mas curiosamente, não é um filme de todo esquecível. O verdadeiro poder de Power está em sua mensagem.

 

A luta nas ruas de Nova Orleans em Power

Jamie Foxx em Power

 

Um filme não precisa ser incrível para fazer uma crítica social contundente. Em Power, Biggie (interpretado pelo orgulho brasileiro Rodrigo Santoro) é o dono de uma ambiciosa empresa estilo Delos que deseja controlar o mundo. Para isso, desenvolve uma droga que consegue dar habilidades sobre humanas a quem a consome, ainda que por curto período de tempo. Isso permitiria que organizações paramilitares conseguissem lutar contra exércitos de governos eleitos, e desnivelaria para sempre o acervo bélico de diferentes nações. Em suma, teria poder quem detivesse o “poder.

Mas havia um problema nos planos da corporação. O power ainda era muito instável. Ou concedia poderes aleatórios ao seu consumidor, ou explodia a pessoa. Literalmente. Então até conseguir estabilizar a droga, era necessário testá-la em massa em um grupo de pessoas consideradas descartáveis pela sociedade.

A escolha de Nova Orleans como o palco para os testes é muito simbólica. Localizada no sul dos Estados Unidos, a cidade possui influências culturais francesas (seus fundadores), hispânicas e afro-americanas, além de ser conhecida também por ser um dos berços do jazz.

Mas toda essa miscigenação esconde um passado muito segregador e contraditório. Em 1763, após a compra de Nova Orleans pela Espanha, o governo espanhol adotou políticas favoráveis à manumissão (alforria legal de um escravo), até ser novamente vendida para a França em um acordo em 1800.

Na época da compra do Estado de Louisiana pelos EUA em 1803, 51% da população total de Nova Orleans (sua capital, à época) era de negros, dos quais apenas menos da metade eram livres. E ao mesmo tempo em que Nova Orleans possuía a maior comunidade afro-americana dos EUA, a cidade também era uma das mais essenciais na comercialização dos escravos, por seu enorme e aquecido centro portuário.

Atualmente, Nova Orleans possui 67,25% de sua população composta por negros e é uma cidade cosmopolita mundialmente conhecida por seus festivais de jazz e culinária afro-americana. Mas apesar de sua comunidade majoritariamente negra, a cidade vive o racismo herdado da época escravocrata dos Estados do Sul dos EUA.

 

A descartabilidade dos negros e oprimidos em Power

Art e Robin em Power

 

Pelas ruas de Nova Orleans, Biggie fez testes em massa da droga power em uma comunidade esquecida pelo governo, e por essa razão economicamente descartável a seu ver. Afinal, quem ligaria se alguns (ou vários) jovens negros moradores dos projects (habitações dos EUA no estilo Minha Casa, Minha Vida) começassem a morrer pelos efeitos de uma nova droga?

São muitas as provocações levantadas pelo filme que questionam o racismo estrutural nos EUA. Robin (Dominique Fishback, grande destaque do elenco) é uma jovem estudante que trafica power para conseguir pagar o tratamento de sua mãe no caríssimo sistema de saúde norte-americano. Ela não se interessa pela escola porque sente que os professores não entendem sua realidade e não possuem empatia por ela. Seu sonho é ser cantora de rap, o que é altamente desencorajado pelo colégio, já que é um estilo que carrega o estigma de “música de bandido”.

Apesar de ser branco, o primo de Robin Newt (Machine Gun Kely) é igualmente esquecido pelo sistema, e retrata o único personagem branco oprimido do filme. E não à toa todos os poderosos e potencialmente compradores em escala de power são homens e mulheres brancos. O ricaços que gostariam de fazer o uso recreativo da droga também são brancos (caso do uber youtuber Casey Neistat, em uma ponta no filme) enquanto o seu consumo com fins de praticar atos ilícitos estaria majoritariamente atrelado aos negros.

Em um diálogo totalmente literal, Art fala sem floreios para Robin: “Você é uma mulher negra. O sistema foi criado para te destruir“. E de fato, a guerra às drogas, sejam elas power ou as existentes em nosso mundo, enfatiza o racismo estrutural em que vivemos,  já que suas maiores vítimas são jovens negros de periferia.

 

 

Caso não queira spoiler de Power, sugerimos que pare a leitura agora, pois o próximo tópico trará spoilers do filme!

 

 

Black is Power! (Negro é o Poder!)

Jamie Foxx com a droga power na boca em Power

 

Em Power há uma triste ironia presente também na história do mundo. No final das contas, descobrimos que a fonte de todo o poder estava em Tracy, a filha sobre humana de Art. A empresa vilã do filme a sequestrou e a tratava como rato de laboratório. Enquanto ela vivia dopada e contida, os brancos drenavam o seu sangue e isolavam o seu DNA para criar a droga power.

E infelizmente, assim também funcionou a história da humanidade. Os negros foram escravizados pelos brancos sob o pretexto de serem “selvagens” e “menos desenvolvidos”. E na forma de escravos, foram os negros também os “pilares” responsáveis pelo progresso das civilizações brancas. Assim como em Power, o verdadeiro “poder” nunca foi dos brancos.

 

Power é um filme que tinha tudo para ser esquecível não fosse a sua poderosa mensagem. Em tempos de #BlackLivesMatter, qualquer obra, ainda que esquecível, se torna relevante ao falar de black power.

 

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Boo Mesquita

Geek de carteirinha e cinéfila, ama assistir a filmes e séries, ir a shows, ler livros e jogar, sejam games no ps4 ou boards. Quando não está escrevendo, pode ser vista fazendo pole dance, comendo fora ou brincando com cachorrinhos. Me siga no Instagram!

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