Cliffhangers e Efeito Zeigarnik: por que nos viciamos em séries?

Domingo à noite. Você tem que acordar cedo no dia seguinte. No entanto, se convence: “só mais um episódio”.

Mas nunca é só mais um. É como se cada episódio fosse cuidadosamente criado para deixar o espectador ansioso para o próximo. E o Netflix ainda engata um episódio no outro, dando poucos segundos para sairmos da inércia e desligarmos a TV.

Em geral, esta estrutura é muito comum em episódios de séries de TV, que apresentam um desenvolvimento morno, oferecendo alguns leves picos de excitação, mas com a grande tensão guardada para o final.

Tensão esta que não se resolve, terminando em um clássico cliffhanger para deixar os espectadores ansiosos para o próximo capítulo.

O termo cliffhanger enquanto recurso de roteiro, inclusive, foi cunhado no início do século XX, quando muitas obras do cinema mudo deixavam o personagem literalmente pendurado à beira de um precipício, com as frases “Continua…” ou “Fim?”, provocando a curiosidade para o próximo capítulo.

Este recurso não só tem o objetivo de fazer o espectador dar um rápido play no próximo episódio e assistir à resolução da tensão, mas também para manter o interesse da audiência durante uma semana inteira até a exibição do desfecho, nos casos de séries que liberam seus episódios semanalmente.

O método, amplamente utilizado, é bem sucedido por se apoiar em um processo psicológico conhecido, o Efeito Zeigarnik, que somado à estratégia do Netflix em disponibilizar temporadas completas de séries de uma só vez, temos um processo extremamente viciante.

 

must watch netflix - ilustração de Rachel DugoIlustração de Rachel Dugo

 

Dados de pesquisas do próprio Netflix mostram que 61% dos usuários assistem regularmente entre 2 e 6 episódios de séries de uma vez e, de acordo com o instituto de pesquisa Nielsen, um número impressionante de 361 mil pessoas assistiram a todos os 9 episódios da segunda temporada de Stranger Things no primeiro dia em que foram disponibilizados na ferramenta.

Independente de ser um comportamento saudável ou não, maratonar séries já é algo que faz parte do nosso cotidiano. Iremos explorar, portanto, um pouco mais este processo psicológico envolvido nos cliffhangers e em nosso vício em séries.

Mas apenas em nosso próximo texto, que publicaremos na semana que vem… Brincadeira!

 

O Efeito Zeigarnik: por que as tarefas que não ainda terminamos nos atormentam?

zumbi the walking dead

 

O psicólogo gestaltista Kurt Lewin certa vez notou que um garçom conseguia lembrar melhor dos pedidos de mesas com a conta em aberto do que as dos clientes que já haviam realizado o pagamento. No entanto, ao passo que os clientes pagavam suas contas, o garçom já não era mais capaz de lembrar dos pedidos daquela mesa em detalhes.

Aluna de Lewin, a soviética Bluma Zeigarnik dedicou-se a estudar este fenômeno, tentando responder se realmente tendemos a nos lembrar mais de tarefas que deixamos incompletas do que das finalizadas. A psicóloga realizou uma série de experimentos e publicou os resultados de sua pesquisa em 1927.

A partir de então, o fenômeno ficou conhecido como “Efeito Zeigarnik”, que defende que as pessoas tendem sim a se recordar melhor de tarefas incompletas ou interrompidas.

Um dos exemplos mais utilizados para ilustrar a teoria, difundido em diversas matérias jornalísticas e livros de produtividade, conta do experimento da psicóloga com estudantes que estudavam seus materiais ininterruptamente em oposição a um grupo que era estimulado a suspender suas sessões de estudos para realizar atividades diversas, como ler sobre assuntos diferentes, ou até distrair-se com jogos ou com a prática de esportes. Contraintuitivamente, o segundo grupo performou melhor e conseguiu recordar de forma mais vívida dos materiais estudados.

Este interessante fenômeno pode ser explicado pela famosa “Teoria de Campo” de Lewin, professor de Zeigarnik. Ela explica o fenômeno ao apontar que uma tarefa iniciada estabelece uma tensão específica, que melhoraria a acessibilidade cognitiva daquele conteúdo. Ou seja, ao começar um trabalho específico, iniciamos também uma tensão relacionada a este, que só será reduzida com sua completude.

No entanto, se a tarefa é interrompida antes de sua conclusão, a tensão continua. E por isso o conteúdo da tarefa permanece mais acessível na memória e pode ser mais facilmente lembrado.

A ideia do cliffhanger em uma série ou filme é exatamente essa. A narrativa abre uma tensão na mente do espectador, que é interrompida antes do seu desfecho, e por isso atormentará sua mente até que ele consiga “resolvê-la”. E nos casos em que toda a temporada da série já está disponibilizada no serviço, o público tem em suas próprias mãos o recurso para resolver esta tensão: dar o play no próximo episódio.

Mas mesmo que o usuário não possa dar play naquele momento, tudo bem, porque a frustração da “tarefa incompleta” irá manter sua memória viva e ansiosa pelo desfecho daquela tensão.

É por isso que um bom cliffhanger, principalmente quando aplicado no episódio final de uma temporada, é tão potente. Nestes casos, o recuso é capaz de deixar os fãs em polvorosa, discutindo teorias durante todo um ano até a volta da série em uma nova temporada.

Fãs de The Walking Dead certamente irão se lembrar deste cliffhanger descarado, protagonizado pelo vilão Negan:

 

Negan The Walking Dead

 

O Efeito Zeigarnik consegue explicar, ainda, por que muitas vezes nos sentimos presos a uma série, sem conseguir parar de vê-la, mesmo que não estejamos tão apegados a trama. Afinal, se começamos uma tarefa, temos que terminá-la. Caso contrário, a tensão irá nos atormentar.

Enquanto algumas pessoas conseguem abandonar séries que não estão gostando, ainda que amigos lhes digam que precisam insistir porque ela melhora, uma grande parte tem dificuldade em tomar essa atitude e prefere fazer um esforço de terminá-las, antes de partir para a próxima. Para estes, a tensão do Efeito Zeigarnik é angustiante demais.

Que os cliffhangers e o Efeito Zeigarnik abençoem o vício em séries nosso de cada dia.

 

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Marcos Malagris

Publicitário, professor de marketing digital e Psicólogo, gasta seu escasso tempo livre navegando na Interwebz, consumindo nerdices e contemplando a efemeridade da existência. Me siga no Twitter ou no Facebook!

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