Zima Blue | O que a arte diz sobre nós mesmos?

Atenção: Esse texto contém spoilers do episódio Zima Blue, da série de animação Love, Death and Robots. Prossiga com cuidado!

 

Talvez um dos grandes questionamentos feitos quando começamos a admirar arte seja: para que ela serve? Qual a utilidade dessa produção? Parece agressivo dizer que a arte é, simplesmente, inútil. Não no sentido de ser algo desprezível, mas pelo fato de não necessitar de um propósito real. Ela não precisa ter um ideal, um objetivo. Ressuscitando um conceito da filosofia antiga, e adaptando o pensamento de Aristóteles sobre a existência do ser humano, a arte simplesmente “é”.

A partir dessa premissa, pode-se ir mais a fundo em entender o propósito por trás da arte. Provavelmente, o ponto de partida desta discussão é ter consciência do primeiro momento em que sentimos necessidade de nos expressar.

Os homens das cavernas precisavam das pinturas rupestres para expressarem seus sentimentos. Ao passo que os renascentistas entendiam a arte como o contato com o divino, principalmente pelo movimento possuir fortes raízes na Igreja Católica. Já o dadaísmo, buscava quebrar com toda essa relação mercantilizada na qual o meio artístico acabou se findando durante o século XX. A arte sempre buscou uma forma de realizar expressões individuais na qual conectavam-se com o social, integrando momentos diversos e impactando de diferentes jeitos a história.

Aprofundando-se neste conceito, é impossível dissociar esta forma de expressão dos seres humanos. Afinal, nada concreto surge por simples magia, mas sim por uma ação concreta do homo sapiens. E, individualistas que somos, necessitamos manifestar de alguma maneira nossas memórias e experiências.

Dessa forma, como dizem os autores Alain de Botton e John Armstrong em Arte Como Terapia: “A arte nos ajuda a cumprir uma tarefa de importância central na vida: conservar as coisas que amamos depois que elas partiram”. 

Importante ressaltar que essa forma de comunicação então se baseia nas vivências e pensamentos pessoais de seu(a) autor(a). Apesar de servir como uma interação social aberta a diversas interpretações, a arte sempre nasce de alguém. E o criador sente a necessidade de expor ao mundo seu subjetivismo porque a vontade de criar é inerente ao ser humano.

 

Zima Blue

 

O episódio Zima Blue, da série Love, Death & Robots, trata sobre a apresentação da obra final de Zima Blue, um famoso pintor e performer desse universo. Zima, que nunca gostou de viver sob os holofotes, resolve conceder uma entrevista final para uma jornalista.

Ela fica honrada com a possibilidade de ser a única a adentrar seu mundo. Ao mesmo tempo, parece intrigada pelo motivo que levou o então recluso artista a se abrir para o público.

No final de sua apresentação, o sempre aclamado Zima Blue mostra ser um robô, enquanto se desintegra e retorna à sua função inicial de limpar a piscina.

Em quase 10 minutos de capítulo, o espectador é levado a acompanhar a trajetória de um artista, que se resume à busca do propósito de sua própria existência.

Um diferencial do episódio é que descobrimos ao final que a criação, algo que aproximaria os humanos de um ato divino, advinha de um robô. Isso nos leva a um questionamento: de qual forma um robô poderia se expressar artisticamente? Seria isso possível?

A principal provocação de Zima Blue é expôr que a arte está entre todos. Ela pode surgir dos locais mais inesperados, justamente porque o conceito de arte varia também de acordo com a subjetividade de cada um que a aprecia.

Não existe uma obra sem ter alguém para vê-la e extrair dela todo o seu conteúdo. A arte só existe no instante em que pessoas a tocam, a compartilham, e refletem sobre o que está diante delas. Por isso, Zima cria sua última obra diante de todos, para mostrar quem realmente é.

Ainda se pode pensar em uma carga bastante existencialista e de autodescoberta na trajetória do protagonista. Tanto é que somos confrontados a tentar buscar algum entendimento sobre o quadro azul feito por Zima em vários de seus atos.

Essa manifestação, confusa até para o artista, faz parte de uma voz pessoal e ganha força em seu subconsciente. Nem o próprio Zima Blue entende os motivos pelos quais faz sua arte. Esta se torna sua força motriz, a maneira dele se entender, e encontrar seu lugar no mundo. Não necessariamente apenas em um sentido social, mas também em nossos mundos particulares. Aqueles onde não temos medo de compartilhar algo tão pessoal.

A arte empossa essa necessidade de gritar sem falar.

 

Jacques Rancière, Paula Sibilia e as “imagens”

 

Após a provocação sobre a mudança na percepção da arte, pode-se voltar a pensar nela como algo sempre imagético. Para isso, vamos nos ater a dois autores específicos para pensarmos na nossa relação com o visual: Jacques Rancière e Paula Sibilia. O primeiro é filósofo e autor de diversos livros sobre estética, cinema, política e compreensão imagética. A segunda, estudiosa sobre cultura, principalmente no ramo do impacto das mídias sociais e sua forma de comportamento dentro da sociedade contemporânea.

O ser humano definitivamente alterou sua forma de perceber a imagem. Principalmente porque a percepção da arte se relaciona a pontos extremamente pessoais (devido as experiências de vida) e semióticos. Provavelmente, para os brasileiros o alfabeto grego seja algo extremamente sem sentido. Entretanto, para os gregos é o comum. E o que é o idioma senão palavras que formam imagens em nossas cabeças?

Em um viés mais artístico, Rancière fala em O Destino das Imagens sobre os diferentes entendimentos na construção de algo pela imagem, seja por meio de palavras ou o frame de um filme.

Ao analisarmos uma imagem, se constroem três ramificações bastante específicas no nosso pensamento. Há o lado visual (aquele nu, perceptível e geralmente mais homogêneo entre as pessoas); o remissivo (uma construção psíquica pessoal, das diferentes maneiras de perceber a imagem); e o arquissemelhante (que analisa a informação por meio da metáfora).

Sibilia parte de um pressuposto menos subjetivo. Em O Show do Eu: A Intimidade Como Espetáculo, a autora expõe a transformação da absorção da imagem para uma visão mais macro e difundida. Dessa forma, a humanidade usa e abusa do pessoal, expondo sua própria vida íntima como algo extremamente comum. Lidamos assim com um novo momento de assimilação da imagem extremamente veloz, sem um real processamento.

Esse fato também é percebido no cinema (com a realização de muitos cortes), na TV (com a descartabilidade de seu conteúdo) e na literatura (com mais falas e menos descrições nas obras). Em um mundo fugaz, estamos em um movimento de celeridade, consumindo obras que não nos trazem nenhum questionamento.

Zima Blue tomou seu próprio tempo para pensar o processo pessoal de como a arte e a imagem se encontravam em seu mundo. Ele se percebeu um ser inútil e abraçou tal pensamento. Por isso, resolveu retornar às suas origens.

Em sua obra final, Zima morre, deixando todo o legado artístico para trás. Ele deixa o peso de pensar o que poderia significar pequenos traços presentes em suas criações. A imagem, para esse personagem fictício, ficará marcada para sempre, a ser rememorada pela eternidade.

E na era do show instantâneo e da perda do poder de percepção? Será que realmente estamos pensando as imagens absorvidas por nosso cérebro a todo momento? Será que a arte ainda causa o mesmo impacto que tinha no século XX?

Se dermos um tempo para refletirmos sobre essas perguntas, poderemos chegar a resposta.

 

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Cláudio Gabriel

Estudante de jornalismo e apaixonado pelo mundo nerd desde que viu Star Wars pela primeira vez. Cinéfilo até o fio da cabeça, é aquela pessoa que gosta de indicar os filmes mais diferentes possíveis. Criador do Senta Aí. Me siga no Twitter!

6 thoughts on “Zima Blue | O que a arte diz sobre nós mesmos?

  • 25 Abril, 2019 at 17:51
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    Não entendo Zima Blue dessa forma.
    Achei mais um resgate da propria natureza do personagem em questão com o seu eu interior.
    O medo jogado de lado.
    “Goste de mim assim ou não goste. Eu cansei de ser o que vc acha ou quer q eu seja”
    Cada cubo azul nas artes dele mostra a necessidade desse personagem de se mostrar como ele proprio é, sem mascaras, sem fazer coisas q agradem aos outros para q os outros se sintam felizes. Existe uma necessidade dele se fazer feliz. Desde o principio de sua existencia.
    Achei mais uma metafora psicologica de conflitos de vida do q simplesmente uma linguagem artistica.
    Mas é lindo demais. O episodio mais lindo da serie que é espetacular.

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    • 5 Setembro, 2019 at 4:21
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      Minha impressão é parecida. Para mim o episódio trata da volta às origens; ele pintou todo o universo mas ainda não se sentia satisfeito. Somente depois entendeu que a simples tarefa de limpar azulejos era o quê realmente buscava. Despiu-se de todo o resto e voltou às origens. “Estou em casa”, são as últimas palavras do protagonista no episódio.

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  • 16 Junho, 2019 at 20:31
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    De longe, isso é a coisa mais linda que já vi em toda a minha vida

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  • 6 Setembro, 2019 at 12:40
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    Quem pegou a entrelinha de crítica social, com a ideia do limpador de piscina (serviço subalterno na sociedade) ter pele negra? Me faz lembrar de uma frase dita por Neil deGrasse Tyson: “Quantos Einsteins já não nasceram e morreram na África?”. A Arte, a genialidade pode estar em cada um de nós (mesmo em um mero limpador de piscinas), porém, a oportunidade de florescer essa magnificência existencial é reservada para poucos pelo mundo cada vez mais superficial e massacrante psicosocialmente.

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    • 30 Junho, 2020 at 11:53
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      a frase original me parece que e bem mais antiga, lembro ela ser do revolucionario russo L.Trotsky, referindo-se a quantos (Einstein, Newton etc) nossa civilização desperdiçava nas lavouras, enquanto os porcos deitavam em berços dourados so pelo simples fato deles terem nascido neles (tanto na lavoura como n berço).

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  • 8 Novembro, 2019 at 11:13
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    vejo como uma busca de um proposito, as pinturas foram um meio pelo qual zima usou para encontrar sua essência. Mas também podemos olhar na perspectiva do publico que consome a arte de zima, gosto de pensar na possibilidade de que o episodio trata também de como propósitos bem definidos encantam e engajam o ser humano. Hoje em dia vemos pessoas na mesma odisseia que ele, é sintomático de uma sociedade que baseia a construção de sua identidade em redes sociais e no consumo de produtos. Isso torna as pessoas cada vez mais vazias de sentido e cegas do seu verdadeiro proposito ” deixar apenas o suficiente para apreciar o que me cerca, para obter um prazer simples na execução de uma atividade bem feita. Minha busca pela verdade enfim termina…”

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