Jurassic World | Reino Ameaçado, mas para quem? [sem spoilers]
A franquia iniciada por Steven Spielberg há 25 anos atrás está de volta em Jurassic World: Reino Ameaçado. O longa é a sequência de Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros (2015), e acompanha os acontecimentos que sucederam a evacuação do parque construído na Ilha Nublar.
Após os dinossauros tomarem o controle da ilha, Chris Pratt e Bryce Dallas Howard retornam respectivamente aos papéis de Owen Grady e Claire Dearing em uma missão para salvar o raptor Blue e os demais dinossauros de um vulcão que está prestes a entrar em erupção.
O filme demonstra seu bom humor logo no início, ao focar no salto alto de Claire tão criticado no longa de 2015. Outro alívio cômico reside em Franklin Webb (Justice Smith), um analista de sistemas que tem medo de tudo e se arrepende constantemente de fazer parte da missão para resgatar os dinossauros.
Mas o filme não é divertido apenas pelos alívios cômicos. Os amantes dos filmes dirigidos por Spielberg na década de 90 também se divertirão com algumas sequências de Jurassic World: Reino Ameaçado claramente inspiradas nos longas originais.
Além de referenciar Jurassic Park em diversas cenas, o longa é enriquecido por um dilema moral próprio na medida em que uma ameaça externa pode causar novamente a extinção dos dinossauros recriados pelos humanos.
Um novo olhar sobre os dinossauros
Jurassic Park (1993) foi um dos filmes mais famosos da extensa carreira de Spielberg. Inspirado no livro homônimo de 1990 de Michael Crichton (roteirista e diretor de Westworld – 1973, que ganhou recentemente um reboot pela HBO em forma de série), o filme mudou a maneira como dinossauros eram retratados nas obras.
Em determinada cena, ao se referir aos dinossauros, Lex (Ariana Richards) implora para que o Dr. Alan Grant (eternizado por Sam Neill) não deixe os monstros se aproximarem. De uma forma racional e demonstrando compaixão, Grant retruca: “Eles não são monstros, Lex. São apenas animais… eles somente agem da maneira que sabem agir.”
Jurassic Park tirou o estigma dos dinossauros de seres sanguinários que buscam a destruição de todas as outras espécies. Nem bons, nem maus, são apenas animais. E animais comem.
E justamente por esse motivo a perigosa empreitada de reproduzir o DNA dos dinossauros e criar um parque para a exposição deles falhou. Está na natureza dos animais carnívoros se alimentarem de carne (não importa para eles se a de um humano ou a de uma zebra).
Tanto Jurassic Park como Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros (2015) mostram a decadência de dois parques temáticos que visavam o lucro em detrimento da exploração animal de uma espécie artificialmente “desextinta“ (de extinct, no original). Mas Jurassic World: Reino Ameaçado vai mais além, focando no dilema moral da responsabilidade humana pela manutenção dessa espécie artificialmente desextinta.
Reino Ameaçado para quem?
Em Jurassic World: Reino Ameaçado, após a iminência da erupção vulcânica que acabaria com a Ilha Nublar, iniciou-se um debate no Congresso norte-americano sobre o que fazer com os dinossauros: salvar as espécies, impedindo uma nova extinção, ou deixar a natureza agir e assistir sua destruição?
O cientista Ian Malcom, interpretado por Jeff Goldblum, parece ser a voz da razão. Ele sustenta que a descoberta da manipulação genética pelos humanos pode alterar todo o equilíbrio da natureza, da cadeia alimentar à interação entre as diferentes espécies, criando um cataclismo artificial.
Assim, a única coisa sensata a se fazer seria deixar os dinossauros entrarem em extinção novamente.
“Essas criaturas estiveram na Terra antes de nós. E se não tomarmos cuidado, elas estarão aqui também depois de nossa própria extinção.” O título Reino Ameaçado então faria uma alusão ao reinado da espécie humana na Terra, abalado pela presença dos dinossauros, e não à sobrevivência dessas criaturas, ameaçada pelo vulcão.
Malcom vai além. Para ele, os humanos não parariam com a desextinção dos dinossauros. A exploração genética expandiria os horizontes para novas invenções, que poderiam fulminar na extinção da raça humana ou no fim de todo o mundo como o conhecemos.
Essa evolução tecnológica desenfreada como ameaça à nossa própria existência é um tema cada vez mais atual. Obras como Exterminador do Futuro e Westworld demonstram o perigo da criação de uma inteligência artificial que supera em (quase) tudo a capacidade cognitiva da espécie humana.
Estaríamos contribuindo para a nossa destruição?
Mas nem só de razão vive o homem. Claire Dearing é o contraponto emotivo do filme para a racionalidade de Malcom. Para ela, os humanos (re)criaram os dinossauros, de modo que eles deveriam se responsabilizar pela manutenção das espécies desextintas.
Os dinossauros não pediram para voltar à vida. Os humanos impuseram isso a eles e ao planeta. E uma vez vivos, eles deveriam ser amparados pela mesma proteção dada a todas as demais espécies que vivem na Terra, mesmo que isso tivesse consequências catastróficas para o planeta e para os humanos. Afinal de contas, uma vida gerada artificialmente não deixa de ser uma vida.
A discussão quanto à proteção dada aos dinossauros em Jurassic World: Reino Ameaçado traz em seu âmago a questão da ética na biogenética. Esse debate está mais próximo da realidade do que parece. Em 2008, o STF decidiu que as pesquisas com células-tronco embrionárias não violam o direito à vida, ou à dignidade da pessoa humana.
Em outras palavras, foi decidido que os embriões artificialmente produzidos e não implantados no útero da mulher não deveriam ser considerados vivos, de modo que seria possível sua manipulação para fins de pesquisa.
A decisão do STF é um exemplo de ponderação entre o interesse da evolução tecnológica e a responsabilidade humana pela “vida” artificialmente criada. Em um futuro não muito distante, esse debate poderá progredir para o reconhecimento da inteligência artificial como sujeito de direitos e deveres.
Essa questão já é retratada em séries como Black Mirror. No episódio White Christmas, nos são apresentados os “cookies“, clones criados por inteligência artificial para operar os sistemas de uma casa inteligente, atuando como assistentes pessoais. No episódio Hated in the Nation, aparece um easter egg na TV em uma das cenas, quando em um noticiário é revelado que a Corte de Direitos Humanos da Europa decidiu que os “cookies“, por serem dotados de consciência, deveriam ser detentores de direitos.
Com relação aos dinossauros de Jurassic World: Reino Ameaçado, a discussão sobre a bioética não é tão simples. Diferente da Dolores e dos demais hosts de Westworld, que são aparentemente inocentes, os dinossauros possuem dentes afiados e um grande apetite, representando uma óbvia ameaça à espécie humana e aos demais ecossistemas do planeta.
Assim, a questão deixa de ser sobre se eles merecem proteção, mas se vale a pena arriscar a sobrevivência de todas as outras espécies (incluindo a nossa) para conferir-lhes o direito à vida.
Jurassic World: Reino Ameaçado conseguiu superar seu (fraco) antecessor, e em uma camada mais profunda trouxe uma pertinente discussão sobre a responsabilização humana quanto às vidas artificialmente geradas.
Será que a vida encontrará novamente um caminho?
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