Jogador Nº 1 | Diversão, referências e o orgulho geek [Sem Spoilers!]

Após ter dirigido The Post, longa que concorreu ao Oscar de Melhor Filme em 2018, Steven Spielberg retorna ao gênero de aventura que tanto lhe consagrou em Jogador Nº 1 (Ready Player One, no original). Estávamos receosos em assistir ao longa, já que a expectativa era alta diante de todo o hype envolvendo seu lançamento. Felizmente, Jogador Nº 1 não decepciona e entrega uma aventura divertida e saudosista, repleta de referências à cultura pop.

O filme se passa em um futuro distópico em 2045, no qual a pobreza, o desemprego e a desesperança imperam no mundo. O único refúgio e alegria na vida das pessoas está em um jogo de realidade virtual intitulado Oasis, criado por James Donovan Halliday (Mark Rylance), um gênio excêntrico que morre misteriosamente. Antes de sua morte, Halliday esconde pistas (os famosos easter eggs) ao longo do Oasis que levam a três chaves. Quem possuir o controle delas, será o dono da herança deixada por Halliday, incluindo o próprio Oasis.

A trama é baseada no livro homônimo de Ernest Cline e gira em torno de Wade Watts (Tye Sheridan) um adolescente órfão que quer vencer a competição para livrar o Oasis das mãos da IOI, uma corporação maligna que escraviza as pessoas e visa o lucro acima da saúde e da integridade física de seus consumidores. Com a ajuda de seus amigos, Wade embarca em uma aventura dentro do jogo pelo controle do Oasis.

Esta resenha aprofundará alguns dos aspectos principais do filme. Não se preocupe, pois ela não contém spoilers! 😉

 

O Retorno de Spielberg

Spielberg dirigindo em Jogador Nº 1

 

Não parece tão certeiro afirmar que com Jogador Nº 1 Spielberg volta às suas origens, pois fato é que ele sempre foi um diretor extremamente versátil. Sua filmografia é a prova de que o talento de Spielberg abarca todos os gêneros. Basta relembrar que no mesmo ano, o diretor lançou Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros e A Lista de Schindler (ambos de 1993). Um de seus primeiros sucessos foi E.T. – O Extraterrestre (1982), mas três anos depois ele lançaria o pesadíssimo A Cor Púrpura, indicado a 11 Oscars.

Mais preciso talvez fosse afirmar que em Jogador Nº 1 Spielberg retorna ao gênero de aventura infanto-juvenil que tanto o consagrou no passado, em filmes como os já mencionados E.T. – O Extraterrestre e Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros, Hook: A Volta do Capitão Gancho (1991), ou até mesmo Goonies (1985), no qual Spielberg é produtor e a mente por trás da história. 

É possível inclusive traçar um paralelo direto com Goonies, já que Jogador Nº 1 é uma verdadeira aventura de caça ao tesouro futurista, adaptada para o século XXI. As pistas aqui são os easter eggs deixados dentro do Oasis, que levam a fases específicas no jogo. Já o prêmio é o controle do Oasis.

 

Comparação entre Goonies e Jogador Nº 1

 

Quase que em uma metalinguagem, Spielberg utiliza-se de Jogador Nº 1 para se auto reverenciar em diversos momentos, já que o filme está repleto de referências a outras obras dirigidas, escritas ou produzidas por ele. Esse fato não traz nenhuma surpresa, tendo em vista que boa parte da graça do filme está em referenciar ícones da cultura pop, e Spielberg foi responsável por criar vários deles.

O grande mérito do diretor foi entregar uma adaptação de qualidade que pode ser apreciada tanto pelos fãs do livro e pela comunidade geek, quanto por aqueles que apenas flertam com o gênero de aventura.

O livro não era uma obra fácil de ser adaptada, pois a história é contada em duas frontes (dentro do Oasis e no mundo real), além de ser repleta de referências, de modo que o longa poderia facilmente se perder nos easter eggs, ou deixar de desenvolver seus personagens fora do jogo. Além disso, a computação gráfica é um elemento chave do filme, e se fosse mal feita poderia comprometer a imersão do telespectador no Oasis.

Felizmente, Spielberg é um diretor muito experiente no gênero e soube entrosar os dois mundos presentes em Jogador Nº 1 (o real e o jogo), além de ter dosado bem as referências, de modo que elas divertem, sem parecerem totalmente gratuitas. Para isso, o diretor contou com a ajuda de Cline, escritor do livro, que assinou o roteiro do longa ao lado de Zak Penn, veterano responsável por roteiros de blockbusters como Os Vingadores (2012)X-Men: O Confronto Final (2006).

Um dos pontos negativos do filme é que a parte da história fora do Oasis não é tão interessante quanto a que se passa dentro dele. Isso não chega a ser um problema, uma vez que é compreensível que até mesmo nos filmes não achemos o mundo real atrativo como o virtual, onde podemos ser quem quisermos e fazer tudo o que desejamos. Essa inclusive é uma metáfora para a vida, já que estamos sempre buscando fugir da nossa realidade, seja por meio de filmes, séries, livros, games, ou qualquer outra forma de lazer ou arte.

 

Diversão e dinamismo

Wade Watts no simulador de realidade virtual em Jogador Nº 1

 

É uma tarefa difícil escrever sobre Jogador Nº 1, pois esta é uma obra para ser assistida, mais do que apreciada. Não há grandes questões ou teorias a serem aprofundadas. É um filme com uma trama simples, porém muito eficiente no que se propõe em fazer: divertir e entreter seu público.

Boa parte da diversão está nas referências do filme aos ícones da cultura pop. A Warner disponibilizou a Spielberg seu vasto repertório de obras, de modo que há de tudo: música dos anos 80, vídeo games, desenhos, filmes, personagens… é impossível não sorrir ao identificar uma obra amada. Da mesma forma, como o longa é muito dinâmico, é igualmente impossível identificar todas os easter eggs nele presentes.

Jogador Nº 1 faz uso das referências de um modo inteligente, já que muitas vezes elas se mesclam no filme e passam a fazer parte da narrativa. Como exemplo, tem-se a segunda aventura do longa, que se passa dentro de uma obra cult reverenciada pela crítica e pelo público.

É lógico que diante do número expressivo de referências, algumas aparecem de forma gratuita, a título de fan service, mas de uma forma tão rápida e sutil que agradará os fãs sem desmerecer aqueles que não as conhecem.

A trilha sonora de Alan Silvestri é um fator que muito contribui para remeter o telespectador ao saudosismo dos anos 80. Aqueles de audição mais aguçada poderão captar inclusive uma trilha conhecida de um filme ícone dos anos 80 criada pelo mesmo compositor.

Para passar a ideia de dinamismo, o longa é repleto de planos longos, mas com câmeras sempre em movimento. Isso funciona com o propósito do filme, já que o Oasis se trata de um jogo de vídeo game, e utilizar câmeras dinâmicas facilita a imersão do telespectador no jogo. Pontos para o diretor de fotografia do longa Janusz Kaminski, já acostumado a trabalhar com Spielberg e vencedor do Oscar de Melhor Fotografia por A Lista de Schindler (1993).

Um filme que segue uma linha parecida com Jogador Nº 1 é Avatar (2009), no qual a história também é dividida entre o que ocorre dentro de Pandora, com a utilização dos avatares (um mundo feito totalmente por computação gráfica) e fora dela. Em ambos, o mundo “real” luta para dominar e conquistar o “virtual”. A diferença é que enquanto em Jogador Nº 1 a realidade virtual se passa em um vídeo game, em Avatar ela é representada por Pandora, lua habitada pelos Na’vi.

 

Comparação entre Avatar e Jogador Nº 1

 

Assim como Avatar, Jogador Nº 1 é um espetáculo visual que merece ser visto em uma tela grande, com um som potente. Como foi totalmente pensado para o 3-D, vale à pena assistir em salas equipadas com esta tecnologia. No entanto, considerando o dinamismo das câmeras, é provável que os mais sensíveis experimentem tonturas ou certo desconforto com o excesso de movimentação.

A previsibilidade ou o absurdismo de algumas situações é condizente com o clima saudosista do longa e a intenção de reverenciar clássicos dos anos 80, e em nada atrapalha a experiência do filme.

 

Por que gostamos tanto de referências?

 

Jogador Nº 1 reacende a discussão iniciada por Stranger Things e retomada no ano passado em sucessos como It – A Coisa e Bingo: afinal, por que gostamos tanto de obras com referências explícitas a épocas passadas ou que possuem easter eggs? Teria o mundo ficado desinteressante, de modo que o que nos resta é romantizar o passado?

Não há uma resposta certa para este questionamento, mas podemos traçar algumas hipóteses. Uma delas é que em momentos de crise e recessão buscamos acolhimento em épocas mais felizes, e para a maioria das pessoas este momento é a infância. Assim, é natural que nosso refúgio da dura realidade seja em obras que nos remetem a quando nossa maior preocupação era fazer o dever de casa e escovar os dentes antes de dormir.

Outra razão plausível pela qual a atual geração goste tanto de referenciar os ícones da cultura pop é que aqueles que cresceram nos anos 80 têm uma lembrança bastante diferente do que era ser nerd na infância. Naquela época, os nerds eram vistos como pessoas esquisitas, excêntricas e sem habilidades sociais (este esteriótipo é retratado por Sheldon e seus amigos em The Big Bang Theory). Em resumo, eram perdedores. Tanto é que até hoje na língua inglesa o termo nerd é tido como algo pejorativo.

Mas hoje, isso mudou. Ser geek nunca esteve tão na moda. A geração de nerds que antes se escondia agora pode se expor, vestir a camisa (na maioria das vezes, literalmente) com orgulho. Aquela criança reprimida pode finalmente vibrar com Cavaleiros do Zodíaco, O Senhor dos Anéis e Star Wars sem receber o estigma de perdedora.

 

 

Portanto, as obras atuais recheadas de ícones do universo geek seriam a última vingança dos nerds “raízes” ao resto do mundo. Agora, entender todas as referências passou a ser cool. Os perdedores agora eram aqueles que não entendiam todas as referências.

Parece que o jogo virou, não é mesmo?

Seja qual for o motivo, as obras que referenciam épocas passadas parecem ter chegado para ficar. O sucesso de Jogador Nº 1 certamente contribuirá para mais produções neste estilo. Os geeks agradecem!

Jogador Nº 1 estreia hoje nos cinemas! 🙂

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Boo Mesquita

Geek de carteirinha e cinéfila, ama assistir a filmes e séries, ir a shows, ler livros e jogar, sejam games no ps4 ou boards. Quando não está escrevendo, pode ser vista fazendo pole dance, comendo fora ou brincando com cachorrinhos. Me siga no Instagram!

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