Ad Astra | Masculinidade Tóxica e a Sombra de nossos Pais [Crítica]

Ad Astra, a odisseia espacial dirigida por James Gray e estrelada por Brad Pitt, é um filme que nos leva a uma viagem distante de nós mesmos. E nos confronta com a pergunta: até onde precisamos ir para aceitar nossa condição humana e dizer sim para a vida?

O ser humano é uma espécie desbravadora. Se existe algo intrinsecamente inerente à experiência de ser humano é a curiosidade de explorar o desconhecido, que desde os primórdios nos causa medo e fascínio. E encaramos esse medo, pois acima de tudo somos seres guiados por nossa curiosidade.

A história da humanidade é guiada pela exploração. Exploradores determinados, que avistam, civilizam, conquistam. Transformam o desconhecido em familiar. Homens que desbravam o universo, mas são incapazes de desbravar a si mesmos.

Se Gravidade (2013), de Alfonso Cuarón, não poderia deixar de ser protagonizado pelo feminino, Ad Astra não teria seu total potencial ao ser protagonizado por alguém além de um homem. São filmes que dialogam entre si. A viagem solitária ao exterior, ao imenso desconhecido. Apenas para reencontrar a si mesmo. E renascer. O clichê é perdoado.

 

Brad Pitt observa o horizonte em Ad Astra

 

Enquanto Ryan Stone (Sandra Bullock em Gravidade) é puxada para a terra, o Major Roy McBride (Brad Pitt) é levado às estrelas (Ad Astra em latim). A superação feminina é sobreviver. Voltar mais forte, menos dependente. Tornar-se sua própria mulher, superando sua condição e nascendo de novo, independente. E ao final, a cena emblemática de reaprender a andar com as próprias pernas.

Desde cedo as mulheres são puxadas pela gravidade. Os brinquedos na infância representam essa força opressora e imbatível. O fogão, as bonecas, a casinha. Aprende-se a nunca estar à deriva, mas sempre disponível. Nunca viajar para longe demais. Já os meninos, estes são chamados às estrelas. Carrinhos, armas, aviões, naves espaciais. O convite é se arriscar, viajar, explorar.

Em Ad Astra, o masculino é convidado à reflexão. E é simbólico que precisemos ir tão longe, às fronteiras do Sistema Solar, para revisitar nossa masculinidade. Quem nos guia nessa viagem, é Brad Pitt. E é importante que seja.

Um nome consagrado, um ator que nos conecta ao ideal do que é ser homem, marcando toda uma geração como exemplo. De forma interessante, ainda que Brad Pitt seja referência de masculinidade, não lhe faltam papéis em diferentes espectros do masculino: Entrevista com o Vampiro (1994), Lendas da Paixão (1994), Encontro Marcado (1998), Clube da Luta (1999). Torna-se mais confortável então nos deixarmos ser guiados por Pitt.

A busca masculina, no entanto, é turbulenta. É a quebra da masculinidade que lhe é imposta, da sombra do que é ser homem. Uma difícil tentativa de retorno do isolamento emocional autoimposto, uma viagem que muito homens morrerão sem fazer.

 

Atenção, os próximos tópicos desta crítica contêm spoilers sobre Ad Astra. Prossiga com cuidado!

 

Masculinidade Tóxica

Ad Astra - Brad Pitt olha por trás de seu capacete de astronauta

 

O Major Roy McBride é um homem marcado pela ausência. Ausência de sentimentos, de batimentos cardíacos, de abertura emocional. Fica clara a influência de seu pai, o astronauta e herói nacional americano H. Clifford McBride, interpretado por Tommy Lee Jones. Clifford McBride é um homem obstinado, e em sua busca por vida inteligente no universo, abandona sua família na Terra.

Seu filho vê-se, então, abandonado de sua primeira e principal referência de masculinidade, o pai. Enquanto este partiu em busca de vida além de si mesmo, deixa seu filho Roy com o vazio e a ausência, e a necessidade de também partir. Mas agora em busca de vida em si.

A ausência paterna está portanto no centro da formação do personagem. É a única coisa que consegue tirar Roy de seu eixo e afetar seus batimentos inabaláveis. Apesar da alegoria da viagem espacial para elevar a última potência o distanciamento entre pais e filhos, o exemplo não fica distante de milhões de crianças e homens que cresceram sem a figura paterna. Não porque estavam fisicamente afastados por anos-luz, mas emocionalmente desconectados.

Roy McBride precisa, portanto, atravessar o Sistema Solar para resolver esta pendência. Para além de se reconectar com seu pai, o personagem busca resolução. Se não para receber a aprovação por tudo que fez e pelo homem que se tornou, pelo menos para enterrá-lo de vez, e seguir em frente.

E vai em busca de um pai que não está disposto nem a encontrá-lo no meio do caminho.

Em flashes do passado vemos Roy como um homem incapaz de amar. E afirma que é melhor que seja assim, pois na profissão que escolheu, compor uma família só traria sofrimento para todas as partes. Um isolamento portanto legitimado por uma carreira notável, com o propósito mais nobre que poderia existir, a exploração espacial para garantir a sobrevivência da espécie humana.

Incapaz de ser tocado, assim como seu pai, aprende a se isolar.

E enquanto os homens precisam de tempo para se confrontar com sua masculinidade tóxica, aprender a chorar e expressar seus sentimentos, as mulheres esperam. O tempo que precisar.

Essa é uma crítica que Ad Astra não faz. Pelo menos não explicitamente. O longa nos mostra Eve, personagem de Liv Tyler, pronta para o momento em que Roy supera sua dor e decide tornar-se acessível emocionalmente.

Ad Astra parece legitimar o fato de que os homens precisam de tempo para o amadurecimento, e as mulheres devem estar eternamente disponíveis para esse momento.

 

Matar o Pai

Brad Pitt olha emocionado em Ad Astra

 

Estamos fadados a acabar como nossos pais ou é possível tergiversar?

Ad Astra explora essa que é uma das questões centrais na psicanálise de Freud, onde só nos tornaríamos completos e independentes quando matássemos, simbolicamente, nossos pais. A “morte”, neste caso, pressupõe o rompimento de certas amarras, se obrigar a sair de sua sombra e libertar-se dos traumas e imposições parentais.

Seria o momento de finalmente vir a nos tornarmos nós mesmos. Como alegoria neste processo, Roy se encontra com seu pai, confronta-se com seus motivos para o abandono, e é convidado a aceitar e perdoar ou sofrer eternamente. É confrontado com a escolha final: matar seu pai ou viver eternamente o trauma de sua ausência.

E então, Roy decide deixá-lo ir.

Sua viagem de retorno simboliza um novo nascimento, onde supera suas questões, e torna-se si mesmo, pronto para constituir sua própria família. É momento de deixar de ser sombra e passar a projetar sombra.

E se tudo der certo, uma sombra mais calorosa, menos fria. A sombra da presença e não a sombra da ausência.

 

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Marcos Malagris

Publicitário, professor de marketing digital e Psicólogo, gasta seu escasso tempo livre navegando na Interwebz, consumindo nerdices e contemplando a efemeridade da existência. Me siga no Twitter ou no Facebook!

2 thoughts on “Ad Astra | Masculinidade Tóxica e a Sombra de nossos Pais [Crítica]

  • 13 Outubro, 2019 at 0:22
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    Boa resenha Marcos. Acho que gostei mais agora do filme depois da resenha, mas como mulher não consegui sentir uma conexão maior com o filme mesmo, porque a narrativa é de fato masculina e não consegui me identificar.

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  • 21 Janeiro, 2020 at 1:44
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    Interessante quase reflexão deste longa sobre variada temática existencial de nós da Terra, ainda sob domínio de guerras, conquistas e destruições por aqui, e isto protocolando uma jornada quase psicótica do ator principal, Brad, até muitíssimo longe a se ver em seu próprio progenitor! Faz-nos pensar que o importante é o estar sempre aqui e agora como der, pois o que sobrevier apenas ocorrerá de alguma forma, queiramos ou não – mesmo até nos digladiando entre nós mesmos em nossa casinha azulada na imensidão sideral! Como dizia a personagem de Contacto, de Sagan, para que serviria então tanto espaço se não houvesse mais gente?

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