Shazam! | Crítica e o propósito em tamanho família

É muito complicado trabalhar com tópicos exauridos e, nessa linha, poucos assuntos estão mais cansados na atualidade do que os superherois. Ao olhar para as estreias em escala francamente industrial, a perspectiva de inovação some como um pássaro ou um avião no horizonte. E é nisso que Shazam! brilha: com simplicidade, o longa não busca reinventar a roda, mas se apoia com leveza no legado sobre o qual é construído para fundamentar um diálogo sobre poder, propósito e família.

No longa, o adolescente Billy Batson (Asher Angel) faz da missão de sua vida encontrar a sua mãe. Perdendo-se dela em um parque de diversões quando ainda era bem pequeno, a luta constante de Batson é a busca por esta peça que ele crê que o tornará completo.

Contudo, após mais uma tentativa frustrada, Batson acaba no lar adotivo comandado por Rosa (Marta Milans) e Victor (Cooper Andrews) Vasquez. Antes de conseguir se acostumar com seu efusivo e nerd irmão adotivo Freddy Freeman (Jack Dylan Grazer, do excelente It: A Coisa) e seus demais companheiros de casa, uma mudança de rota transforma a vida de Billy para sempre quando ele se vê dotado dos grandes poderes do mago Shazam – sendo “poderes” uma das palavras-chave aqui.

 

Freddy enconsta em Shazam!

 

Por mais que não negue suas origens, Shazam! brinca de subverter expectativas do subgênero e mesmo da narrativa cinematográfica. A direção de David F. Sandberg (diretor de Annabelle 2 e Quando As Luzes se Apagam, pasme você), por exemplo, usa de ângulos de câmera que preparam a audiência para cenas que não acontecem – ou ao menos não da forma que se espera. Da mesma forma, há referências inusitadas ao Universo Expandido da DC (DCEU) como enfeites para momentos interessantes da trama.

Esta mesma proposta subversiva é encontrada na maneira como o roteiro de Henry Gayden busca debater a temática dos poderes: saindo do díptico grandes-poderes/grandes-responsabilidades, o filme procura explorar o que pode ser considerado poder e, principalmente, qual seria o seu propósito.

 

Preenchendo as lacunas em Shazam!

close de Dr Sivana em Shazam! - review 2019

 

Para o vilão Dr. Sivana (Mark Strong), por exemplo, o poder da magia absoluta daria a ele o respeito e reconhecimento que não teve quando criança. A omissão e o abuso verbal sofrido por parte de seu pai esvaziaram as colunas que estabeleciam a identidade e o senso de valor do menino.

Quando abordado pelas tentações dos Sete Pecados Capitais, Sivana se vê obcecado pela promessa de poder, para que finalmente possa provar para seu pai que é digno de amor e respeito, na tentativa de suprir a lacuna deixada ainda na infância.

Neste ponto, Dr. Sivana, como todo bom vilão, serve como um espelho para quem Billy Batson pode se tornar. Aos 14 anos, Billy já apresenta as mesmas tendências que seu futuro inimigo, sendo apático em relação ao sofrimento alheio, autocentrado e obcecado com um elemento familiar – no seu caso, sua mãe – na esperança de que isso sanasse sua dor de rejeição e lhe desse propósito de vida.

O egocentrismo de Billy no princípio do filme aponta que ele está somente a alguns poderes de se tornar Sivana.

 

confronto entre Dr Sivana e Shazam no filme 2019

 

É isso, inclusive, que seu irmão adotivo Freddy tenta mostrar para ele em mais de uma oportunidade, porém sem muito sucesso. Em parte porque Billy está cheio demais de seus novos poderes, e em outra parte porque Freddy também tem necessidades as quais busca preencher com a magia de Shazam.

Sua necessidade de ser aceito faz com que Freddy inveje os poderes de Batson. Mas, como isso está fora de alcance, ele se contenta em beber a atenção de segunda mão, buscando cumprir o papel de coadjuvante efetivo.

A Inveja, inclusive, como Pecado Capital, tem um papel central na luta contra Sivana. Isso exatamente porque era o principal sentimento que o doutor nutria contra seu próprio irmão mais velho.

Pela estrutura de espelhamento entre heroi/vilão, Billy e Freddy precisam vencer a inveja que derrotou os irmãos Sivana para que, como família, eles possam alcançar seu potencial pleno.

E é aí que mora o coração de Shazam!: a partir desse ponto, o filme desvela gradativamente que, numa família, não há espaço para inveja, e todos são protagonistas.

O poder em família

todos os irmãos adotivos de Shazam com ele ao centro

 

Para fazer isso, o filme usa de artifícios textuais e subtextuais. A nível textual, os debates são bem claros: logo no início do longa, Freddy debate com Billy (ou ao menos tenta) sobre qual poder seria mais útil, se seria o voo ou a invisibilidade.

Posteriormente, conclui que o voo é mais heroico para resgatar pessoas, enquanto o poder de invisibilidade, por mais que pareça mais proveitoso inicialmente, faria com que seu usuário terminasse sua jornada sozinho.

Em outro momento igualmente importante, uma das personagens afirma que “para que poder se não podemos compartilhar com nossa família?”. Esse questionamento se apresenta como uma excelente ponte em direção às referências subtextuais a esta temática.

A mais significativa delas é quando a câmera dá um close no adesivo do carro de Rosa e Victor Vasquez que diz “eu sou uma mãe de lar adotivo, e você, qual é o seu superpoder?”. Embora não seja particularmente sutil, esta construção é justificada exatamente por ir na contramão do arco tradicional do superheroi.

Pensando na tradição dos órfãos que se veem impelidos a salvar o mundo com sua habilidade, estabelecer a maternidade como forma de superpoder eleva Rosa (e, por consequência, Victor) ao papel de heroína, contrariando as convenções do subgênero que dizem que pessoas superpoderosas precisam ser órfãs para conseguirem ser heroicas.

É claro que uma das consequências imediatas disso é ter uma identificação mais fácil da plateia infanto-juvenil com seus personagens principais.

Cabe dizer que, embora seja impressionante o fato de Shazam! apresentar um heroi com uma família, é ainda mais surpreendente pensar que esta família composta por indivíduos completamente diferentes é consideravelmente funcional e saudável em sua dinâmica, o que arrancaria lágrimas sonhadoras e solitárias de Bruce Wayne e Clark Kent.

 

Família de Shazam faz uma refeição unida

 

A análise dos poderes e a importância crucial da família no longa se encontram na ideia de “propósito”. Colocando Dr. Sivana e Shazam com os mesmos poderes, mas se comportando de formas completamente diferentes no decorrer da projeção, Shazam! demonstra que é o propósito por trás do poder que separa os herois dos vilões.

Assim, quando o filme estabelece seu novo lar como a motivação central para o desenvolvimento do protagonista, ele consegue alçar voos mais altos que seu próprio heroi-título, dispondo-se a demonstrar que a boa glória é aquela que é compartilhada em família.

É desta forma – com ares coloridos, num milk-shake de ação-com-comédia e, principalmente, com uma mensagem forte e inclusiva para todas as individualidades em todas as faixas etárias – que Shazam! se destaca como um dos filmes de superheroi mais interessantes e divertidos dos últimos anos.

Com destreza e humor, nada seria mais descritivo sobre a proposta do longa do que a logomarca do seu heroi: um baita raio colorido bem em cima do peito, para pegar o coração.

 

Atenção! O próximo tópico desta crítica contém spoilers de Shazam! Prossiga com cuidado!

 

E um parêntese sobre os poderes e as cenas pós-créditos de Shazam!

Shazam solta raios pelas mãos enquanto Freddy assiste maravilhado

 

Caso você esteja se perguntando que raios era aquela lagarta ao final de Shazam!, aquele era o vilão Mister Mind, conhecido no Brasil como Senhor Cérebro ou Senhor Mente. A simpática coisinha falante que escapa da Pedra da Eternidade é literalmente um vil verme de Vênus com grandes poderes telepáticos, líder da Sociedade dos Monstros do Mal, indicando que podemos ver um número de vilões compatível com o de herois numa possível sequência de Shazam!.

(Caso você não esteja se perguntando… Você deveria, porque aquilo foi realmente bizarro.)

A melhor explicação e a teoria mais forte que surge a partir dessa cena pós-créditos é de que, havendo um Shazam! 2, ele provavelmente colocará a Família Shazam, mostrada ao final do filme, contra a Sociedade dos Monstros do Mal. Este desenvolvimento estaria completamente alinhado com o tom cartunesco e autorreferente deste primeiro filme, sendo uma ótima explicação para aquela estranha minhoca venusiana falante que propõe dar poderes mágicos ao Dr. Sivana através de outras fontes.

 

Uma estatueta bacana do Mister Mind da DC Comics.

 

É claro que tudo depende de outro filme da DC: Black Adamconhecido no Brasil como Adão Negro. Arqui-inimigo de Shazam nos quadrinhos, ele será vivido nos cinemas por Dwayne Johnson (“The Rock”). Quando teve a oportunidade de escolher entre interpretar o mocinho ou o vilão, o ator preferiu Adão Negro por considerá-lo mais interessante como personagem.

A consequência disso foi que a DC decidiu dar um filme inteiro só para ele, de forma que Adão Negro não aparece neste primeiro filme. Apesar de sua não aparição, provavelmente ele foi referenciado no longa, sendo o “primeiro campeão que libertou os Sete Pecados” o qual o Mago Shazam menciona quando explica sua origem para Billy Batson.

É improvável que a DC/Warner decida colocar Adão Negro como mais um vilão da Sociedade dos Monstros do Mal, gastando um personagem e, principalmente, um adorado ator em um filme que não fosse focado nele. Entretanto, também é verdade que a criação da Família Shazam ao final do longa cria um problema para os roteiristas: agora há seis herois incrivelmente poderosos na Filadélfia.

 

Família Shazam nos quadrinhos.

 

Só para lembrarmos, estes são os poderes que Shazam tem: a sabedoria de Salomão (a qual nunca é usada por Billy no filme, diga-se de passagem), a força de Hércules, a energia de Atlas, o poder de Zeus (daí os raios), a coragem de Aquiles e a velocidade de Mercúrio. Se um só personagem, com todos estes poderes, já seria complicado de balancear em um longa-metragem, talvez realmente seja necessário que Adão Negro se una aos Monstros para dar combate à família mais poderosa do Universo DC.

Até lá, aproveitamos a leveza e diversão proporcionadas por essa nova estreia da DC nos cinemas.

 

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Erik Avilez

Erik (sem C) Avilez é seguidor de Cristo, escritor, roteirista, professor, homem-múltiplo, host do PontoCast e pode ou não ter sido dançarino de hula em um passado distante.

One thought on “Shazam! | Crítica e o propósito em tamanho família

  • 6 Abril, 2019 at 14:44
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    Interessante a proposta do filme, com esse viés conciliador entre os membros da família. Valeu, Shazam! Valeu, Farofa!

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