Me Chame Pelo Seu Nome | Beleza e polêmica na corrida ao Oscar 2018
Os europeus sabem mesmo uma coisa ou duas sobre romantismo, erotismo e sensibilidade. Dirigido por Luca Guadagnino (Um Sonho de Amor e Um Mergulho no Passado), Me Chame Pelo Seu Nome (Call Me By Your Name, no original) foi um dos filmes mais comentados de 2017.
O filme foi baseado no livro homônimo de André Aciman (2007) e filmado na cidade natal de Guadagnino, Crema, Itália (onde o diretor mora até hoje). A história se passa em 1983 e foca nas férias de Elio Perlman (Timothée Chalamet, que também poderá ser visto no aclamado LadyBird), um adolescente de 17 anos ítalo-americano que todo o verão vai com sua família multicultural burguesa para sua casa no norte da Itália.
Tudo corria como outro ano qualquer, até a chegada do estagiário e aluno de doutorado de seu pai (Michael Stuhlbarg), que passará todo o verão hospedado com a família. Oliver (Armie Hammer) tem 24 anos e é um americano misterioso, galanteador e quase arrogante, que aos poucos vai despertando o interesse de Elio.
A tensão entre os dois cresce, até que a urgência do desejo mútuo não pode mais ser ignorada. O romance é embalado pela bela trilha sonora de Sufjan Stevens.
A produção do longa é do brasileiro Rodrigo Teixeira, por sua produtora internacional RT Features.
É um filme sobre a efemeridade e intensidade de um romance de verão. Com uma fotografia belíssima, Me Chame Pelo Seu Nome consegue nos transmitir aquela sensação gostosa de preguiça durante as férias em uma casa de veraneio, em que não há pendências ou compromissos. Podemos passar as horas relaxando, pegando sol, se refrescando na água, lendo um bom livro.
Essa sensação de preguiça e calmaria se opõe à brevidade e urgência do caso entre Elio e Oliver, já que o verão seria todo o tempo que eles teriam juntos.
Os próximos tópicos deste review tratarão dos temas mais relevantes do longa:
Uma ode ao belo
Os créditos de abertura de Me Chame pelo Seu Nome ditam o tom do longa: as esculturas greco-romanas são uma lembrança da perfeição e da beleza do corpo do humano. Em determinado momento do filme, o Sr. Perlman diz a Oliver que tais estátuas masculinas possuem uma “ambiguidade em não ter idade, como se estivessem nos desafiando a desejá-las”.
O pai de Elio é um professor arqueológico especializado em esculturas greco-romanas, de modo que a apreciação pelo belo sempre esteve presente na família. A ode ao belo cumpre também importante papel em toda a estética do filme.
A beleza está em todos os lugares: seja na mesa de café-da-manhã sempre bem posta, nos rios e piscinas naturais, nas estantes de livros empoeirados que compõem a residência dos Perlman, nas árvores e frutas, e principalmente na pequena cidade de Crema.
Por se passar na década de 80, o filme não tem a urgência e pressa dos millennials. Como resultado, sobra tempo para a contemplação de situações a princípio triviais, como tomar café-da-manhã em família. Sem a distração dos smartphones, as pessoas conseguiam se conectar mais com o presente, admirando umas às outras.
O amor ao que é belo é representado também no longa pela personalidade de Elio, que devido à sua criação, é um adolescente extremamente culto e maduro. Leitor ávido e multi instrumentalista (Chalamet aprendeu violão exclusivamente para o filme), é um jovem sagaz que não teme seus sentimentos: ele os abraça, lançando-se a novas sensações e descobertas.
Aqui vale ressaltar a interpretação espetacular de Chalamet (guarde esse nome!). Novato no protagonismo (e na idade), foi exigido muito do ator em diversos momentos do filme. Seja em cenas difíceis de descoberta de Elio, ou nos diversos planos longos focados exclusivamente em suas expressões faciais ou leitura corporal, o ator entrega em todos momentos, sem titubear.
Sexy, sem ser vulgar
Uma história sobre o despertar sexual de um adolescente de 17 anos não seria completa sem cenas de sexo. No entanto, grande mérito de Me Chame Pelo Seu Nome é a maneira com a qual lida com o erotismo.
É um dos filmes mais eróticos de 2017, mas também um dos mais sensíveis. Não há cenas gratuitas. Não espere, por exemplo, longos planos focados no ato sexual, como ocorreu em Azul é a Cor mais Quente.
Há uma cadência poética sobre a maneira com que Guadagnino lidou com o sexo neste filme. Ele é visto como algo natural, orgânico, urgente. O filme instiga e excita com sua sutileza e beleza, mas isso não o torna menos visceral.
A sensualidade do filme combina com a estação em que a história é ambientada: o verão. Nele, tudo parece mais belo, sensual. Guadagnino teve grande sensibilidade e habilidade técnica para dar sensualidade às cenas em que os personagens tomam banho de sol ou estão simplesmente curtindo uma preguiça embaixo da sombra, ou nas diversas tomadas em que é focado apenas o rosto de Chalamet.
As expressões do ator trazem um brilho e lascívia natural às cenas.
Sexualidade e Fluidez
Ao serem questionados numa entrevista à MTV americana sobre como Hammer e Chalamet conseguiram tamanha química nos sets, Hammer não hesitou em responder “dando muitos amassos“. Brincadeiras à parte, é inegável a química presente entre os dois atores.
A fluidez está presente em todos os aspectos do filme. Um elemento do longa que aponta bastante essa característica é a presença da água em diversas cenas, e não apenas como parte da paisagem: os personagens brincam e interagem com ela, quase como se ela fosse também parte da história de amor entre eles.
Guadagnino optou por filmar o longa inteiro em sequência (as cenas foram filmadas na mesma ordem em que apareciam no roteiro), o que é extremamente raro em Hollywood e certamente ajudou muito Hammer e Chalamet na construção de seus personagens e no desejo crescente entre eles. Há fluidez também na existência de diversos planos longos, sem maiores cortes ou interferências, com bastante foco nos rostos e expressões dos personagens, principalmente em Chalamet.
Outra representação de fluidez está no contexto multicultural em que o longa se passa. A família burguesa é americana, italiana e francesa com descendência judia, e os diálogos ocorrem ora em inglês, ora em francês ou italiano, a depender dos interlocutores. Todas essas transições são feitas com muita naturalidade, sem prejudicar a cadência do longa. Destaque para o incrível Timothée Chalamet, que navega entre os idiomas sem apresentar nenhum esforço (e olha que ele aprendeu italiano para fazer o longa!).
No entanto, o maior exemplo de fluidez no filme está na própria sexualidade de Elio. Ele abraça seus impulsos e age sobre eles sem julgamento. Seja flertando com Marzia (Esther Garrel, irmã mais nova de Louis Garrel) ou iniciando um caso de amor com Oliver, Elio demonstra maturidade ao seguir conforme seus instintos totalmente desprovido de preconceitos, ao mesmo tempo em que carrega toda a ingenuidade da adolescência.
Aqui, a criação e educação de Elio exercem papel crucial para a construção de seu caráter, e neste tema Me Chame Pelo Seu Nome possui um diálogo (ou monólogo) extremamente poderoso entre um pai e seu filho, que causou grande impacto nas redes sociais. Muitos afirmam que este diálogo entre pai e filho é o ponto alto de Me Chame Pelo Seu Nome. Aliás, considerando que Anne Hathaway já ganhou o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por uma música (Os Miseráveis), Michael Stuhlbarg merecia por este monólogo uma indicação ao prêmio.
A Polêmica da diferença de idade
O filme estreou nos Estados Unidos em tempos de acusações em Hollywood a casos de assédio envolvendo menores de idade. Kevin Spacey, por exemplo, foi acusado por Anthony Rapp (Star Trek) em 1986 de tê-lo assediado numa festa. Na ocasião, Spacey tinha 27 anos, e Rapp, 14.
A produção optou por desviar da polêmica na divulgação do filme, mas não conseguiu evitar alguns entraves. O escritor homossexual e ativista conservador Chad Felix Greene escreveu em seu Twitter:
24 year old man.
17 year old boy.
Stop. https://t.co/0IpoJYRaF5— Chad Felix Greene (@chadfelixg) September 11, 2017
Homem de 24 anos. Garoto de 17 anos. Parem.
O longa e o livro abrem portas para discussões. Hammer tentou rebater as críticas alegando que as leis de consentimento para o ato sexual de menores nos Estados Unidos é de 16 anos, enquanto que na Itália, onde se passa o longa, é de 14 anos.
A legislação é criada para tentar uniformizar a conduta com base no “homem médio”: uma pessoa ordinária, qualquer do povo, sem maiores conhecimentos técnicos ou jurídicos. A lei muda em cada país porque o contexto socioeconômico e cultural é diferente em cada lugar do mundo.
As leis existem porque sem elas poderiam existir decisões conflitantes de diferentes juízes, o que causaria insegurança jurídica. No entanto, justamente por se basear no “homem médio”, a lei generaliza, já que foi criada para abarcar a relação de todas as pessoas. É uma ficção.
No caso das leis de consentimento, estabelece-se um padrão de idade na qual o “homem médio” (ou, no caso, o adolescente) alcançaria maturidade o suficiente para tomar suas próprias decisões quanto ao sexo, como se houvesse uma brusca mudança no discernimento do indivíduo com a chegada de um aniversário específico.
Por outro lado, o fato de um comportamento não ser ilegal automaticamente o torna ético e moral? Por exemplo, toda relação entre um jovem italiano de 15 anos e um adulto de 40 seria automaticamente ética e moral por estar dentro do padrão da legalidade. A resposta parece lógica: é preciso analisar caso a caso.
Em Me Chame Pelo Seu Nome, Oliver tem 24 anos, e Elio, 17. No entanto, Armie Hammer aparenta ter bem mais de 24 anos (como, de fato, o ator tem 31), enquanto que Timothée Chalamet tem porte e corpo de um adolescente, apesar de ter 22 anos.
Seria a relação dos dois predatória, ou, como dizem as críticas mais radicais, uma indução à pedofilia? Se Elio fosse uma garota adolescente isso faria alguma diferença nas críticas à relação dos dois?
Na obra Lolita (1955), uma menina de 12 anos é tratada como ninfeta e vira a obsessão sexual de um professor universitário. E o livro é considerado um dos maiores clássicos da literatura do século XX, já tendo ganhado duas adaptações para o cinema.
Da mesma forma, haveria alguma mudança na percepção da relação entre eles se Elio tivesse 18 anos? E se tivesse 17 anos e 10 meses?
Não somente pelo consentimento, mas por toda a maturidade e educação de Elio, não me parece que a relação entre ele e Oliver seja predatória. Elio é um adolescente culto e bem resolvido, e a história do filme é sobre suas descobertas na sua jornada para a fase adulta. Mas são compreensíveis as críticas de quem acredita no oposto.
Premiações
Me Chame Pelo Seu Nome está arrebatando indicações a diversas premiações, e certamente vai ser indicado a alguns Oscars, principalmente na categoria Melhor Filme e Melhor Ator pela a interpretação espetacular de Timothée Chalamet.
Dentre as premiações já conquistadas, estão o Gotham Awards de Melhor Ator Revelação para Chalamet, e de Melhor Filme. Há três anos o vencedor do Gotham Awards tem sido o mesmo que o Oscar na categoria Melhor Filme.
No entanto, considerando os demais possíveis indicados este ano e a polêmica com relação à onda de assédios que assola Hollywood, acho improvável que Me Chame Pelo Seu Nome conquiste a estatueta de Melhor Filme, apesar de ser um dos meus favoritos para o prêmio.
Além disso, o longa foi indicado a três Globos de Ouro (Melhor Filme Dramático, Melhor Ator e Ator Coadjuvante em Drama) e venceu o Critic’s Choice Award de Melhor Roteiro Adaptado.
Me Chame Pelo Seu Nome estreia em 18 de janeiro de 2018.
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Mais um belo e bem escrito texto da página, parabéns!!
Eu teria amado o filme por tudo o que vc mencionou, mas em especial pelo lado poético com belas fotografias e o erotismo sutil em cada cena. Mas , devido a minha criação rígida, e minhas ideologias, foi difícil não me incomodar a cada instante com a diferença entre idade dos personagens.
Apenas depois de todo o alvoroço vim saber que um tinha 24 e o outro 17, mas desde o inicio o de 24 me pareceu bemmm mais velho (até mais que a real idade -31), talvez toda esta minha trava.
Talvez eu seja sim um quadrado, e diferente do que você escreve, quando se comparado as idades eu não acredito que cada caso é um caso e eles precisam ser analisados.
(amei uma menina que aos 13 (se achava super madura) saia com caras com mais de 20 e até 30. Ainda hj somos amigos (ela tem 36), e ela fala das sequelas que ficaram.
Como já mencionado, devido a criação, eu fui uma criança, um jovem e, consequentemente, um adulto que nunca vive a idade real, ou seja, fui o que os jovens costumam dizer: muito “maduro” para minha idade.
Hoje, aos 40, percebo sim que ter mais idade não significa que a pessoa seja mais madura. Algumas preferem não crescer… Mas daí, bastar sondarmos um pouco o seu intimo e vemos que, em geral, há considerável desordem emocional. Pois, para mim, o avançar da idade só nos serve para isso, para de fato a amadurecermos.
A todo momento a vida nos prega peças que nos obriga a isso. E é pensando nisso que eu acredito que por mais maduro que um jovem seja, por lógica da vida, há coisas que ele ainda não entende.
Por mais sofrível que tenha sido uma infância, ainda quando jovens (em geral) queremos impor de todo o modo o nosso ponto de vista. Fator este que com a idade, quando maduros na essência do termo, não mais perdemos tempo com isso. (Um dos exemplos sobre maturidade).
Enfim, e sei lá, mas este foi o ponto mais forte do filme que me desconsertou.
Outra coisa.
No início, a maturidade – e cumplicidade- dos pais ao perceberem a futura relação (e de certa forma até induzi-la) tbm me incomodou muito, mas o diálogo final do pai e filho, me arrebatou. Que linda visão.
Este é o tipo de pai que eu gostaria de ser: deixar meu filho aprender com as suas experiências.
Assistirei novamente agora com novo olhar. Mas a idade tenho certeza que ainda será o meu “tabu”. rs
Alan, por aqui gostamos muito das suas colaborações nos comentários! E gostei muito desse seu “textão”, obrigada por compartilhar com a gente sua visão e suas experiências! ^^
Assim como você, assisti a Me Chame Pelo Seu Nome pela primeira vez sem saber que era sobre o envolvimento de um adolescente de 17 anos com um jovem adulto de 24 anos, porque de fato o Armie Hammer parece ter bem mais que sua idade real, que é 31 anos. Então, eu também fiquei com uma sensação incômoda, porque de cara eu gostei muito do filme, mas não conseguia “aprovar” esse relacionamento. Depois que descobri que no livro e no roteiro a diferença de idade deveria ser de 7 anos fiquei mais tranquila, mas continuo buscando o motivo disso, já que, por exemplo, a diferença de idade entre meus pais é de 10 anos rs.
Seria isso uma visão quadrada de mundo? Teria um adolescente de 17 anos maturidade o suficiente para se envolver com um adulto 7 anos mais velho? Se Elio tivesse 18 anos (apenas um ano a mais, mas que já é considerado adulto para nosso mundo) esse impasse seria resolvido? Eu não sei. Mas só sei que assistindo ao filme novamente não consigo deixar de me emocionar e me sensibilizar com a beleza e sensualidade da efemeridade de um amor de verão <3
A questão da idade me incomodou inclusive no livro. Não acho que “fazer um aniversário” faça a maturidade surgir da noite para o dia, não me baseio em questões legais, até porque nem tudo o que é legal é moral e ético, como você mesma disse.
E não só a aparência dos atores – Elio parece ter 14 ou 15, enquanto Oliver parece ter mais que o dobro – mas as próprias experiências vivenciadas por Elio o mostram como um adolescente descobrindo a própria sexualidade. Enquanto Oliver conhece bem os próprios desejos a ponto de, em um momento que considero crucial para falar de seu caráter, dizer a Chiara para saírem mais tarde se ela prometer “que vai acontecer”.
Não vejo o relacionamento como predatório, mas não o vejo como saudável também.
Hoje sou tranquilamente (tenho me aceitado) gay mas meu processo de descoberta (quando realmente me caiu a ficha de que sou gay de fato) foi bem parecido com o filme: com um homem mais velho. No filme os dois protagonistas mantêm uma relação hiper masculina: parecem dois melhores amigos homens que deixam os instintos falarem mais alto e acabam se apaixonando. É muito diferente do que vemos no cotidiano, pois estamos usualmente acostumados (de forma estereotipada) a ver o gay como sendo um ser mais feminino, inclusive nas próprias relações afetivas.
Eu passei pelo mesmo processo do Elio, de não saber exatamente do que gostava, namorei garotas mas sem nunca conseguir me apaixonar. Até que eu me apaixonei por um homem mais velho do que eu, e foi aí que eu entendi que era gay, eu tinha me apaixonado pela primeira vez em um longo tempo de minha vida.
Mas tem um problema sério no filme: O Oliver entende muito mais sobre a vida do que o Elio, inclusive do ponto de vista sexual. O Elio mesmo tendo 17, ele ainda é emocionalmente uma criança que não entende bem o que está acontecendo.
Isso aconteceu comigo também, eu aprendi bastante coisa com essa relação que tive com um homem mais velho, amadureci, mas em contrapartida fiquei com muitas sequelas. A cena final do final filme com o Elio chorando na lareira não indica que a relação foi algo 100% positivo, e que deixou um pouco de tristeza dentro dele.
Por sorte Elio pôde conversar com seu pai (melhor cena do filme). No meu caso eu nunca tive essa abertura de conversar com minha família, de maneira que ainda carrego um peso muito grande em minhas costas por conta do que aconteceu no meu passado.
Fiquei sabendo que eles pretendem continuar o filme, fico curioso pra saber o que vai acontecer ao Elio, será que eles se tornará alguém sempre abalado por esta relação?
“Me Chame …” é uma lindíssima história de amor. e histórias de amor, como o amor em si, não carecem explicação.