Alias Grace | Uma das atuações mais poderosas de 2017
Se tem um(a) escritor(a) que está em alta este ano, é Margaret Atwood. Após o sucesso da premiadíssima The Handmaid’s Tale, chegou a vez de Alias Grace ganhar uma adaptação para a TV.
No entanto, apesar de apresentarem semelhanças quanto às questões de gênero, a abordagem das duas histórias é diferente. Enquanto The Handmaid’s Tale é uma distopia futurista na qual os direitos das mulheres foram abolidos, Alias Grace dialoga com o passado em uma época em que as mulheres sequer tinham conquistado seus direitos.
Fatos reais
Baseado em fatos reais, Alias Grace foi publicado em 1996 e narra a história da imigrante irlandesa de 16 anos Grace Marks, que em 1843 foi condenada na Corte Canadense pela morte de seu patrão Thomas Kinnear e da governanta Nancy Montgomery, amante de Kinnear. O caseiro James McDermott, comparsa de Grace, foi condenado à forca, e Grace foi sentenciada à prisão perpétua.
Montgomery e Kinnear, supostas vítimas de Grace Marks
Na minissérie, assim como no livro, o psiquiatra Simon Jordan (Edward Holcroft) é contratado para tentar provar a inocência de Grace Marks (Sarah Gadon) nos assassinatos de Kinnear (Paul Gross) e Montgomery (Anna Paquin).
O que instiga na narrativa de Atwood e que a diferencia das demais histórias policiais é que, assim como os fatos reais que a inspiraram, há incertezas sobre a participação de Grace Marks nos assassinatos. Aqui, a série ganha pontos com a interpretação fenomenal de Sarah Gadon. Sua Grace é um enigma, e nos remete à Capitu de Dom Casmurro, na medida em que não sabemos se ela é dissimulada ou ingênua, mentirosa ou verdadeira, ardilosa ou inocente.
A subversão do patriarcado
No entanto, mais interessante que tentar desvendar o mistério sobre a inocência ou culpa de Grace, é analisar as questões de gênero que existem por trás dos assassinatos. Afinal, diante das mesmas provas, e sobre os mesmos fatos, por que McDermott (Kerr Logan) foi condenado à pena de morte, e Grace à prisão perpétua?
McDermott assume a culpa dos assassinatos, mas aponta Grace como a mandante do crime. De acordo com ele, Grace o enfeitiçou e o coagiu a matar seus patrões. Apesar de sua defesa tentar dialogar que McDermott era um rapaz respeitado, sem antecedentes criminais e de uma família conhecida e com algumas terras na região, o júri o condenou à pena capital.
Grace Marks teve uma estratégia diferente. Ela posou para o júri como uma menina inocente, frágil, que jamais mataria um outro ser humano. Ela era uma garota delicada e ingênua, que não queria ter participado dos crimes. Se chegou a ter algum envolvimento, foi por medo do que McDermott poderia fazer com ela.
Grace Marks: bela, pura e inocente
Isso pode até ser verdade, pois como já mencionamos, a série deixa aberta a interpretações a questão da culpabilidade de Grace. Entretanto, algumas atitudes da protagonista nos levam a crer que ela não é tão inocente quanto parece.
Em dado momento, Grace confessa ao Dr. Jordan que quando McDermott lhe disse que ia matar Montgomery, Grace pediu para ele não fazê-lo na noite em que dormiriam juntas, pois McDermott podia errar o golpe e atingir Grace. Já em outra oportunidade, Grace teria falado para McDermott não matar Montgomery no quarto porque isso deixaria o aposento todo ensanguentado. A maneira como Marks fala demonstra que no mínimo ela não se importa com o trágico destino de seus patrões.
A grande sacada de Grace foi subverter o patriarcado, usando-o a seu favor. Ao se utilizar de todos os clichês da época com relação às mulheres (o “sexo frágil”), Grace posou de virginal e inocente, garantindo para si a clemência do júri e escapando da pena de morte. Afinal de contas, uma mulher pura como ela nunca praticaria um ato violento, a não ser que tivesse sido coagida ou influenciada por um homem.
Vida real x obra de Atwood
A Grace Marks que viveu em 1843 permaneceu encarcerada por quase nove anos, até que, após apresentar sinais de loucura, foi transferida para o manicômio Provincial Lunatic Asylum (Toronto), permanecendo lá por 16 anos. Depois desse período Marks voltou à penitenciária, onde permaneceu até receber o perdão judicial por bom comportamento.
No total, Grace Marks permaneceu encarcerada por quase 30 anos
Já a Grace de Atwood possui autorização para sair da prisão durante o dia e trabalhar numa casa aristocrata que acredita na sua inocência e que contrata o Dr. Jordan para prová-la. Durante toda a conversa com Jordan, Grace está trabalhando numa colcha de retalhos, o que serve de uma metáfora para a própria série. Da mesma forma que a colcha, a narrativa é costurada pedaço a pedaço, até formar um cenário maior, onde as peças vão se encaixando.
Alias Grace tem ritmo mais lento que The Handmaid’s Tale, mas não por isso é menos marcante. A atuação poderosa de Gadon como Grace Marks mostra o quão precário era o direito das mulheres encarceradas (realidade que persiste até hoje), e nos faz refletir que por mais inocente que alguém seja ao adentrar o sistema penitenciário, é pouco provável conseguir manter a sanidade mental por muito tempo.
Alias Grace é uma minissérie de apenas 6 episódios, e todos estão disponíveis no Netflix.
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