American Vandal | Discussões sociais em documentário investigativo cômico

Parando para ver a sinopse de American Vandal, a última coisa que ela faz é realmente chamar atenção. No entanto, sua ideia um tanto quanto absurda gera uma indagação: para onde que isso vai? E é exatamente nesse ponto que entra a genialidade em torno dessa série extremamente renegada do Netflix, que conseguiu tratar o assunto do vandalismo de forma única e inovadora, principalmente pelo tom cômico dado à obra.

A série possui uma trama extremamente simplista e bizarra nas suas duas temporadas lançadas até agora. Na primeira, a história é sobre um colégio em que, determinado dia, carros de todos os professores aparecem pichados com figuras de um pênis no estacionamento da instituição. Pelo fato, o estudante Dylan Maxwell acaba levando a culpa. Já na segunda temporada, há um surto de disenteria nos alunos de uma escola após tomarem a habitual limonada na hora do almoço disponibilizada pela cantina do colégio. O episódio passou a ser lembrado como “o surto”.

 

Estudantes em American Vandal

 

A criação de Dan Perrault e Tony Yacenda usa e abusa do absurdo em seus enredos para construir um clima de suspense extremamente eficaz. O telespectador fica realmente intrigado em entender o que aconteceu e quem são os culpados. A fórmula também não é usual. A escolha pela estética documental ao mesmo tempo em que satiriza os documentários tradicionais (incluindo os do próprio Netflix) também cria uma similaridade pungente com a realidade, causando no telespectador uma catarse perturbadora.

Poderia isso acontecer em nossos colégios ou universidades?

O tom cômico dado ao documentário também é desconcertante. Situações discriminatórias e bullying são assuntos sérios para os estudantes e membros do colégio. Apesar disso, são transmitidos ao telespectador por meio de momentos cômicos, gerando no público risadas incômodas, já que a plateia carrega consigo a culpa de achar graça de temas sérios e polêmicos.

Aí entra a genialidade de American Vandal. A série discute questões importantes com base em situações absurdas. A chocante descoberta dos vândalos ao final das temporadas é crucial para entender com clareza o objetivo da obra.

A série também adentra em um lado extremamente humano ao analisar as motivações de cada um dos suspeitos pelos atos de vandalismo. A inovação dela consiste no fato de que, enquanto obras como Extraordinário e As Vantagens de Ser Invisível retratam a solidão do colégio de forma dramática, em American Vandal tal sentimento, apesar de trágico, é apresentado ao público com um viés cômico e absurdo.

Entretanto, o mais importante da comicidade no seriado é gerar questionamentos, já que o documentário aproxima a plateia de seus protagonistas, gerando um sentimento de cumplicidade.

 

Mas por que American Vandal é realmente tão boa?

estudantes presos em uma repartição do colégio em American Vandal

 

Em um lado mais narrativo, é algo primordial o trabalho da metalinguagem. Ao mesmo tempo que se observam as situações pelos olhos de uma câmera, em determinado ponto da obra parece haver um quase esquecimento por parte dos dois protagonistas “investigadores” de que existe alguém realmente assistindo àquilo tudo. As primeiras cenas sempre ambientam de uma maneira muito intrigante e hilária os acontecimentos, mas sempre com a promessa de que, por mais absurdo que pareça, a plateia irá entender o desfecho ao final.

A identificação das situações expostas em American Vandal com a atualidade também se vincula como uma crítica ao uso da imagem pela geração atual. A banalidade da criação de gifs, memes e montagens acaba gerando uma produção em massa que torna ainda mais complexo o trabalho dos documentaristas, que precisam focar sua atenção ao que realmente importa para a trama.

As máscaras sociais também são retratadas no documentário. Cada um dos estudantes utiliza-se das redes sociais e dos estereótipos para se protegerem dos demais e de si próprios: jogadores de basquete, atletas, nerds, líderes de torcida, populares. No entanto, American Vandal procura demonstrar que por mais prejudiciais que sejam as máscaras, elas são necessárias para aqueles estudantes, pois fingir a felicidade é uma forma de escapar da realidade e fugir dos problemas.

Além disso, os rótulos permitiriam que os alunos identificassem com facilidade seus pares, se aproximando com mais facilidade de seus semelhantes.

 

Aluno investigando em American Vandal

 

Outro mérito de American Vandal é a crítica aos preconceitos que os estereótipos geram nas pessoas. Isso porque a nossa tendência é culpabilizar aqueles com menor capacidade de se adequar ao sistema, os marginalizados. Na série, os responsáveis pelo colégio rapidamente encontram um aluno que se encaixa perfeitamente no estereótipo de vândalo, e se dão por convencidos pelas provas que mal possuem contra ele. Enquanto isso, a ingenuidade dos adolescentes é retratada na medida em que os estudantes acreditam que tirar notas ruins não é justificativa o suficiente para acusar alguém de praticar atos de vandalismo.

 

American Vandal não é apenas um documentário investigativo. Ele está ligado a questões sociais muito atuais para as gerações de hoje, e utiliza de comédia e de temáticas absurdas para debatê-las. A conexão com o público surge não somente pela catarse com as situações apresentadas, mas pela empatia com o vândalo oprimido que habita cada um de nós.

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Cláudio Gabriel

Estudante de jornalismo e apaixonado pelo mundo nerd desde que viu Star Wars pela primeira vez. Cinéfilo até o fio da cabeça, é aquela pessoa que gosta de indicar os filmes mais diferentes possíveis. Criador do Senta Aí. Me siga no Twitter!

One thought on “American Vandal | Discussões sociais em documentário investigativo cômico

  • 12 Novembro, 2018 at 13:05
    Permalink

    Estava eu num Sábado de tédio. Passei por essa série e…
    Assisti a temporada inteira no mesmo dia !
    é uma série leve , cômica e te faz “viajar” nas teorias a ponto de você formular as suas próprias.

    Congrats ao Netflix

    Reply

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