Game of Thrones | Por que o final decepcionou os fãs?

Atenção! Este post contém spoilers sobre o final de Game of Thrones!

 

Após oito anos, finalmente chegou a hora de nos despedirmos de Westeros. Mas não foi o adeus esperado pela maioria do público. Game of Thrones chegou ao seu fim desagradando tanto os fãs que foi criada uma petição para fazer um remake da oitava temporada da série, culpando os showrunners David Benioff e D. B. Weiss pela má escolha narrativa.

No episódio “Os Sinos” a revolta já era grande, com a finalização do processo de vilanização de Daenerys Targaryen (Emilia Clarke). No entanto, o sentimento de desolação só piorou no último episódio da série.

Jon Snow (Kit Harington) matou Daenerys e não foi imediatamente assassinado pelo Verme Cinzento (Jacob Anderson). Como punição para não desagradar os Imaculados (que rapidamente foram embora de Westeros), o ex-bastardo foi sentenciado a viver o resto de sua vida na Patrulha da Noite. Bran (Isaac Hempstead Wright) se tornou Rei dos Seis Reinos, vencendo sua irmã e favorita do público Sansa Stark (Sophie Turner). Já o Norte conseguiu sua independência sem causar a revolta imediata de Yara Greyjoy (Gemma Whelan).

Apesar de todas as inconsistências e escolhas questionáveis de roteiro, será que é válida tanta revolta contra David Benioff e D. B. Weiss? Afinal, por que os fãs ficaram tão divididos com o final de Game of Thrones?

 

1. O público de Game of Thrones é muito heterogêneo

Daenerys e Jon em Game of Thrones

 

Game of Thrones atraiu um público muito heterogêneo. Assim, as pessoas gostam da série por motivos diferentes, e por isso elas criam expectativas diferentes. Se cada espectador possui um desejo próprio para o desenrolar da história, por uma obviedade seria impossível atender a todas as expectativas.

Game of Thrones se tornou um dos maiores fenômenos da história. A série foi criada em um contexto de popularização da cultura geek, com o fim das trilogias de Peter Jackson O Senhor dos Anéis e O Hobbit, a criação de Harry Potter, os episódios I a III de Star Wars e a criação do Universo Cinematográfico da Marvel. Foi o timing perfeito para que o seriado alcançasse um maior número de pessoas.

Além disso, Game of Thrones surgiu em um momento anterior à disseminação dos serviços de streaming. Em 2011, o Netflix estava apenas no início de sua empreitada no streaming. Dessa forma, a produção de séries tão elaboradas que beiravam à experiência cinematográfica ficava reservada a um número menor de canais, como HBO, Fox, AMC e Showtime.

Com a propagação dos serviços de streaming, os canais fechados perderam seu monopólio, e a indústria das séries ficou mais diversificada. Há séries para todos os gostos: Stranger Things, The Handmaid’s Tale, Big Little Lies, Orange is the New Black, The Umbrella Academy, American Gods. Com tanta demanda, o público hoje ficou mais direcionado. Afinal de contas, se você estuda ou trabalha (ou os dois) é impossível acompanhar todas as séries que são lançadas.

Se tivesse estreado nos dias de hoje, provavelmente Game of Thrones não teria sido tão colossal.

 

2. Houve uma mudança no estilo narrativo

David Benioff, D. B. Weiss e George R. R. Martin

 

O escritor Daniel Silvermint sustenta que há dois estilos narrativos. Um voltado para o desenvolvimento da trama, e outro direcionado aos personagens.

No estilo narrativo voltado para os personagens, o escritor os deixa livres para se desenvolverem conforme a história de cada um, sem se preocupar tanto com o desfecho da narrativa. O escritor serve mais como um instrumento para contar a história, de modo que a evolução de cada personagem se torna fator decisivo para o seu destino na trama. Este é o estilo narrativo de George R. R. Martin, que já disse em entrevista que se considera um jardineiro, que planta seus personagens e os deixa crescer livremente.

Já no estilo voltado à trama, o escritor sabe exatamente onde quer chegar com a história, e orienta as ações dos personagens para alcançar o fim visado. É o autor que constrói toda a história, controlando os personagens da maneira que melhor convém à narrativa. Este é o estilo narrativo de David Benioff e D. B. Weiss.

Essa diferença de estilos foi responsável pela brusca mudança de Game of Thrones. Enquanto a série ainda estava atrás dos livros, a voz predominante era de Martin. Os showrunners apenas adaptavam os livros, de modo que o estilo narrativo preponderante era voltado aos personagens.

No entanto, quando a série ultrapassou os livros, o tipo de narrativa direcionado à trama prevaleceu. Afinal, Martin apenas tinha indicado como sua história iria terminar. Baseados no final de Game of Thrones idealizado pelo escritor, Benioff e Weiss passaram a mover os personagens apenas com o intuito de que eles cumprissem o final visado por Martin.

 

3. Não respeitamos o D&D

David Benioff e D. B. Weiss

 

Enquanto o George R. R. Martin estava à frente dos livros, aceitávamos sua escolha. Afinal de contas, ele era o escritor original. Se não concordássemos com o rumo tomado pelo dono da história, este era um problema nosso.

No entanto, após Game of Thrones ter ultrapassado os livros os novos encarregados da narrativa passaram a ser os showrunners da série, Benioff e Weiss. Mas eles não são o dono da história. Ao nosso ver, eles são apenas os mensageiros, que transmitiam para a linguagem da televisão os escritos de Martin.

Assim, quando D&D se tornaram os novos criadores, os fãs passaram a considerá-los invasores no universo criado por Martin. E já que não os respeitamos, passamos a exigir que eles moldassem a história da maneira que melhor nos conviesse. Afinal, quem disse que eles são os mais bem preparados para escrever essa história? Eles não são o Martin!

 

4. Há uma maior preocupação com a representatividade

Cersei e Daenerys em Game of Thrones

 

Quando George R. R. Martin começou a escrever a série de livros As Crônicas de Gelo e Fogo no século passado, pouco se falava sobre feminismo, equidade de gênero ou representatividade. Ainda assim, Martin foi responsável por criar diversas personagens femininas incríveis: Daenerys, Cersei, Arya, Catelyn, Sansa, Brienne, Ygritte, Meera Reed, Melisandre, Osha, Yara Greyjoy, Lady Olena, Margaery Tyrell, Ellaria Sand. E cada personagem era complexa, tinha suas próprias questões e confrontava esteriótipos do que era esperado das mulheres na sociedade patriarcal retratada.

Curiosamente, apesar de os showrunners Benioff e Weiss terem escrito o roteiro da Game of Thrones em uma época na qual o empoderamento feminino está muito em voga, eles acabaram tomando decisões que muitas vezes subverteram o conceito progressista das personagens femininas estabelecido por Martin.

Essa falta de zelo com a representatividade das mulheres pode ser vista na cena da última temporada em que Sansa explica ao Cão (Rory McCann) que se ela não tivesse passado por tudo o que passou (o que incluiria seu estupro) ela teria permanecido um “passarinho” a vida toda. Ou quando Jaime (Nikolaj Coster-Waldau) estupra Cersei (Lena Headey) em frente ao corpo de Joffrey (Jack Gleeson), filho deles. Ou até mesmo pelo excesso de nudez feminino fora de contexto, como no caso da cena em que Qyburn (Anton Lesser) interrompe Bronn (Jerome Flynn) no meio de um ménage.

5. Vivemos em uma era polarizada

De um lado, Daenerys queima Porto Real. De outro, Daenerys é idolatrada em Game of Thrones

 

Se tem uma coisa que as eleições de 2018 nos mostrou, é que vivemos em uma era polarizada, que reforça comportamentos tribais. Buscamos nos identificar com uma tribo específica e adotamos o seu ponto de vista, defendendo-o até as últimas consequências.

Com essa divisão, as pessoas passam a não ter mais opiniões ponderadas. Não há meio termo. Ou se ama algo, ou se odeia. Há o time Daenerys e o time Jon Snow, e eles obrigatoriamente são excludentes entre si.

Se a opinião de cada um já está formada pela tribo, as pessoas buscam os acontecimentos que melhor sustentam determinado ponto de vista. O problema é que isso pode acabar gerando uma descontextualização dos fatos: ao serem observados fora de contexto, fatos são moldados para garantir a prevalência de uma opinião sobre a outra.

Inclusive, o mesmo fato pode servir para embasar pontos de vista diferentes. Para exemplificar, vamos tomar por base a destruição de Porto Real por Daenerys.

Para aqueles que sustentam que houve uma modificação da personalidade da Daenerys, a Khaleesi era a Quebradora de Correntes. Assim, ela jamais mataria inocentes. Ela libertava escravos e queimava apenas os opressores. Sob esse ponto de vista, não faria sentido para a construção da personagem que ela queimasse todos os civis de Porto Real.

Já para aqueles que argumentam que Daenerys sempre deu sinais de que era uma tirana, a destruição de Porto Real não mudou a personalidade da personagem. Afinal, Daenerys continuou não matando inocentes. Para esta tese, Daenerys não acreditava que a população de Porto Real era inocente, já que seus habitantes seguiam uma falsa Rainha e temiam a Khaleesi.

 

Falamos mais sobre a decepção do público com o final de Game of Thrones no vídeo em nosso canal do Youtube! Assista abaixo:

 

 

Apesar da revolta dos fãs com o final de Game of Thrones, fato é que a discussão sobre quem deveria ficar no Trono de Ferro não foi o motivo de Martin ter feito os livros.

O escritor queria nos mostrar que a luta pelo poder é capaz de corromper até mesmo o mais bem intencionado dos humanos. Nenhuma decisão é inteiramente certa ou errada, e as pessoas são mais complexas que os rótulos de mocinho e vilão.

Por mais diferente que sejam as opiniões dos fãs quanto ao fim da série, uma coisa é certa: Game of Thrones vai deixar saudades. O inverno chegou ao fim, e não há previsão de volta.

 

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Boo Mesquita

Geek de carteirinha e cinéfila, ama assistir a filmes e séries, ir a shows, ler livros e jogar, sejam games no ps4 ou boards. Quando não está escrevendo, pode ser vista fazendo pole dance, comendo fora ou brincando com cachorrinhos. Me siga no Instagram!

One thought on “Game of Thrones | Por que o final decepcionou os fãs?

  • 18 Outubro, 2020 at 22:35
    Permalink

    O número de pessoas satisfeitas com os rumos da série vem caindo a cada episódio, mas ainda tem aqueles que gostam e vem reclamar usando uns argumentos do tipo:
    “Vc só reclama porque a série não segue o rumo que quer…”
    “Adoro como é imprevisível, se não aguenta para de ver”
    “Se não gosta por que assiste?”
    “Critica mas não consegue escrever um roteiro né?”
    kkkkk gente, vocês tem problema? Isso é uma rede social de OPINIÃO acerca de OBRAS, não um ringue (e nem escola de cinema). Se for para discutir, tragam argumentos que usem a NARRATIVA. Dizer que alguém não pode desgostar é – além de impor sua vontade de fã a um ESTRANHO – tão pobre! É muito mais útil enquanto fã tentar convencer as pessoas que não receberam bem o episódio a repensarem alguns pontos, usando O SEU PONTO DE VISTA de forma coerente.

    PARA MIM, a série assinou seu fracasso narrativo já na 7a temporada, em que além de decepcionarem em vários aspectos, eles simplesmente acabaram com a possibilidade de uma embate final digno por simplesmente não haverem recurso humanos suficiente para o Norte/Daenerys conseguirem travar um conflito com a Cersei e sua 1) fortaleza 2) tropa naval 3) exército de mercenários.
    Mas eu nutria uma esperança de plot twist, talvez um anticlímax para toda essa guerra sangrenta acabar em uma jogada geopolítica foda… Ah tá, aham.
    Eles simplesmente:

    1 – Ressuscitaram os DOTHRAKI rapaziada, isso mesmo!!!

    Se a Dany esquece (como os produtores alegaram) que tem exercito naval e perde um dragão de bobeira, por que não esqueceriam que mataram todo esse núcleo de guerreiros em 3s na Batalha de WF? Se fossem 10, 20 caras (como apareceu no episódio 4)… Mas não, subestimar a memória de quem assiste nunca dá errado né? Coloca mais da metade do exército como se ninguém tivesse morrido. E ainda uma porrada de Imaculado.

    2 – Economizaram roteiro, coreografia de luta e sei lá mais o que fazendo todo o exército mercenário
    desistir de combater (?)

    “Ah, mas ela tem um dragão e tá usando…” Hmmm, 20 mil contra 1 dragão e nem tentaram? Sendo guerreiros, teoricamente pagos para isso? É assim que todas as batalhas da humanidade deixariam de acontecer? O inimigo ter mais recursos? Como parte da redenção, até entendo. Mas que foi preguiçoso, foi.

    3 – Novamente, nenhuma estratégia combativa. Não sou perita e estou falando de coisa simples gente, coisa que a série mesmo sempre fez e nessa temporada (em suas maiores batalhas) abriu mão… Quem aí assiste Vikings, comparem com o último episódio da quinta temporada e reflitam.

    4 – Terminaram de matar o trio parada dura da inteligência/manipulação.
    Mindinho morreu tão rápido que se piscar perde, sem nenhuma consequência ou repercussão (embora tenha sido um plot twist até que legal), Varys foi morto gratuitamente (uh, prioridades em guerra hein!) e para mim Tyrion já morreu depois desse último episódio.

    Reduziram ele a NADA e o que dói é que além de um dos mais carismáticos, era extremamente independente, nunca “servindo” a nada além de seus próprios interesses. Sem personalidade, sem ação, sem plano B eficiente… Ele só tá ali mesmo, coadjuvante da Daenerys e mais insosso que o Snow himself.

    5 – Morte de Cersei, acho que nem preciso comentar. Foi essa personagem, sua astúcia, maldade e inteligência que desenvolveu todo o plot da série e ela morreu da forma mais clichê possível.
    Com medo, porém com seu grande amor, voltando atrás de forma moral e implorando para viver…

    Nossa, Avenida Brasil deu um final mais digno à Carminha E NÃO ESTOU ZOANDO. Que coisa moralista e reducionista.

    6 – Vocês perceberam que não existem mais falas grandiosas de personagens importantes? Tudo agora é uma troca de palavras, mesmo quando estão em seus momentos finais.
    Bom, grande como sempre, mas é isso. Acho que todos nós que acompanhamos a série, ajudamos a financiar consumindo ela de alguma forma e divulgando, temos o direito de nos expressar. O estrago feito a esse ponto não pode culminar num final bom. A produção não sofreu só com a falta dos livros, mas parece que tudo está sendo feito correndo e de forma até imprudente (vide roteiros vazados que eram realmente os oficiais).

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