Megatubarão | 5 absurdos científicos do longa de Jason Statham

Estava fácil demais para Jason Statham brigar com alguém de seu tamanho. O ator precisava de um desafio. Em Megatubarão, Statham enfrenta o até então extinto megalodon, maior tubarão que o mundo já viu.

Inspirado no livro Meg: A Novel of Deep Terror (1997), de Steve Alten, o filme narra uma expedição ao fundo das Fossas Marianas que descobre um novo habitat contido nas zonas abissais. Quando os tripulantes do submarino correm perigo, Jonas Taylor (Statham) é chamado ao resgate, e acaba atraindo o gigante predador à superfície, ameaçando toda a população de cidades costeiras.

O filme é uma coprodução da Warner com a chinesa Gravity Pictures e teve um orçamento megalodôntico de mais de US$ 130 milhões. As altas cifras não estavam favoráveis ao filme antes de sua estreia, já que ele teria que ser um sucesso absoluto para terminar com um saldo positivo.

O tom cômico de Megatubarão desde seu primeiro trailer e todo o merchandising subsequente apontavam que o longa não pretendia ser levado a sério. Ele se afastou das comparações com o clássico Tubarão (1975), de Steven Spielberg, e se aproximou de Sharknado (2013).

 

 

Isso se deu dentre outras razões pela visão de seu diretor, Jon Turteltaub. Ele queria fazer um filme divertido de fim de verão, diferente de Statham, que gostaria de ter visto mais carnificina e sangue na telonaAfinal, é um filme sobre um tubarão gigante.

A presença de Statham foi responsável por trazer alguma sobriedade ao filme, o que acabou afastando Megatubarão da genialidade dos já clássicos cult Piranha 3D, Todo Mundo Quase Morto ou Sharknado. Ironicamente, na tentativa de salvar o longa e posicioná-lo no gênero da ação, Statham impede que Megatubarão abrace todo o seu potencial de absurdismos.

São muitos os alívios cômicos de Megatubarão. Desde o personagem de Rainn Wilson (eterno Dwight, de The Office), um excêntrico bilionário, até as cenas mais sanguinárias, tudo foi propositalmente pensado para divertir a plateia em vez de assustá-la.

O resultado é um filme tão absurdo, tão surreal, que, contrariando todas as expectativas, é bom. É uma comédia a mais de 12 mil metros de profundidade. E para garantir bons risos, Turteltaub não se importou em contrariar alguns fatos científicos, leis da física, ou do bom senso.

O filme surpreendeu ao liderar a bilheteria norte-americana em seu fim de semana de estreia, tendo arrecadado US$ 44,5 milhões, quase 120% a mais do esperado para o período.

No Brasil, Megatubarão arrecadou em seu fim de semana de estreia R$ 7,7 milhões, batendo o record de bilheteria da Warner em 2018. Assim, o longa superou outros blockbusters do estúdio como Rampage: Destruição Total, Tomb Raider: A Origem e Jogador Nº 1.

Nossa colaboradora e bióloga Beatrizz Mesquita respondeu algumas questões sobre os principais absurdos científicos cometidos por Megatubarão.

Se você já assistiu ao trailer, não se preocupe, você não será devorado por spoilers.

 

1 – Um ser humano é capaz de descer rapidamente até o fundo das Fossas Marianas a 14 mil metros de profundidade a bordo de uma pequena câmara de vidro?

Jason Statham no submarino em Megatubarão

 

Não. Na verdade as Fosssas Marianas estão localizadas a pouco mais de 11.000 metros de profundidade. Provavelmente, os roteiristas decidiram aumentar um pouco mais a distância para exagerar o quão fundo as fossas são. De qualquer forma, não é possível submergir tão rapidamente ao ponto mais fundo das fossas em tão pouco tempo.

Primeiramente, porque o trajeto (11 km) é bastante longo. Além disso, para esse tipo de expedição, um tipo especial de material muito reforçado e compactado é utilizado na construção dos submarinos inteiros. Possivelmente, ele não suportaria mudanças tão bruscas de pressão.

Até hoje, foram feitas apenas quatro expedições às Fossas Marianas, sendo a primeira em 1960, e a última em 2012 pelo cineasta James Cameron (diretor de Avatar e Titanic). E todas elas levaram horas para chegar até o fundo.

 

2 – Seria possível um habitat a 14 mil metros de profundidade ser rico em diferentes espécies de peixes, crustáceos e corais?

lula gigante ataca submarino em Megatubarão

 

Ao contrário do imaginário popular, as zonas abissais são na maior parte de sua extensão grandes desertos de vida, colonizados por algumas poucas espécies de animais extremamente especializados.

Você já mergulhou no fundo de uma piscina olímpica de três metros de profundidade e sentiu o seu ouvido doer? Agora, imagine o que sentiria se mergulhasse a quilômetros de profundidade.

A pressão nas fossas Marianas é de cerca de oito toneladas por polegada, um aumento de mil vezes se comparada à pressão da atmosfera. Isso é equivalente ao peso de um caminhão de grande porte a cada 2,5 cm do seu corpo.

Organismos adaptados a viver nessas profundidades precisam ter uma anatomia especializada para aguentarem toda essa pressão. Em quase todos os casos conhecidos, esses animais são de pequeno porte. Diferente do que se imagina, os peixes de aparência dita “dantesca” da zona abissal raramente ultrapassam os 20 cm.

Como exemplo tem-se que diverso do retratado em Procurando Nemo, se Dory e Marlin conseguissem descer à zona abissal, o encontro dos personagens com o “monstro” peixe-pescador provavelmente seria um pouco diferente. Isso porque a espécie de Dory, que é um cirurgião-patela, é quase sempre maior que a maioria das espécies do peixe abissal.

 

 

Quase toda a biodiversidade marinha se encontra na zona fótica, ou seja, a zona na qual a luz é capaz de penetrar na água. Isso porque a base da cadeia alimentar nos oceanos são as algas e cianobactérias fotossintetizantes, que necessitam de luz para fazer a fotossíntese. São esses organismos que sustentam toda a teia alimentar do ecossistema marinho.

Calcula-se que a partir dos mil metros não exista mais nenhum raio de luz refratado, de modo que não há luz a partir desta profundidade (com exceção daquela produzida pelos animais bioluminescentes). Sem algas ou cianobactérias fotossintetizantes, não há a possibilidade de ecossistemas ricos e complexos nas zonas abissais. Há algumas poucas exceções de bactérias quimiossintetizantes (que produzem o próprio alimento por processos químicos) descobertas, mas elas conseguiriam sustentar uma teia alimentar pequena e simples.

 

3 – Um megalodon poderia existir nos dias de hoje?

surfista prestes a ser devorado em Megatubarão

 

Existem registros fósseis do megalodon desde cerca de 25 milhões de anos atrás. O fóssil mais recente data de 2,4 milhões de anos, de modo que esta é o período estimado para a extinção desse grupo. Apesar de ser pouco tempo em termos geológicos, é bastante improvável que ainda exista um megalodon vivo em alguma parte do mundo sem nunca ter sido avistado.

É bem verdade que existem situações extraordinárias de peixes tido como extintos, e que se provaram vivos. É o caso dos Celacantos, peixes considerados extintos desde antes do extermínio dos dinossauros devido a uma interrupção no registro de fósseis. Inacreditavelmente, esta espécie foi redescoberta no século passado.

 

celacanto, espécie de peixe tida como extinta

 

 

Ainda assim, são casos bem raros em que o registro fóssil “falha”, e em situações completamente diferentes do megalodon. Os celacantos por exemplo são peixes de profundidade que não emergem à superfície e possuem dois metros. Este é um comprimento considerado grande para parâmetros de peixes, mas em nada comparado ao do megalodon. A grandeza deste ser pré-histórico tornaria muito mais difícil sua existência passar desapercebida.

Além disso, pelo porte desse tubarão, existe um certo consenso de que para conseguirem se manter vivos, os megalodon possivelmente se alimentavam de baleias. Sendo mamíferos, as baleias precisam emergir à superfície para respirar ar atmosférico regularmente. Consequentemente, o megalodon provavelmente também passaria parte do seu tempo nesse ambiente, atrás de suas presas. Se eles estivessem vivos, seria muito estranho uma criatura carnívora de 15 metros de comprimento nunca ter sido registrada.

Não é impossível, pois os biólogos não exploraram todos os cantos da Terra, mas é bastante improvável.

 

4 – O megalodon seria capaz de existir a 14 mil metros de profundidade?

Megatubarão atacando os submarinos

 

Muito provavelmente não. Os biólogos estimam que o limite de calcificação óssea dos esqueletos seja aos oito mil metros de profundidade. Após essa distância, a pressão massiva tornaria impossível para que a constituição de um esqueleto permanecesse intacta.

Sendo o cálcio um elemento essencial dos ossos, calcula-se que os oito mil metros sejam portanto o limite da existência de vertebrados. Apesar de os tubarões terem um esqueleto cartilaginoso e não ósseo, eles possuem um tipo especial de calcificação nas cartilagens, o que também inviabilizaria sua existência abaixo dessa profundidade.

Mesmo se ignorarmos a questão das adaptações à pressão e partirmos do pressuposto que os tubarões conseguissem suportar essas profundidades, ainda existe um problema de recursos. Sem a base do ecossistema marítimo (algas) disponível nas zonas abissais, a maioria dos organismos que lá habitam ou migram diariamente para caçar, emergindo à superfície, ou são carniceiros ou detritívoros, se alimentando respectivamente de carcaças e matéria orgânica dissolvida que chegam ao fundo por conta da gravidade.

Os carniceiros tendem a ser menores, pela pouca disponibilidade de alimentos. Já os migrantes de coluna d’água conseguem ser de porte um pouco maior, pois possuem mais recursos, uma vez que caçam na superfície. Entretanto, ainda assim, estes seres raramente sobrevivem a alguns quilômetros de profundidade.

Estes fatores combinados tornam pouco plausível a possibilidade de um habitat tão inóspito quanto os extremos da zona abissal conseguir comportar um animal com mais de 10 metros de comprimento.

 

5 – A criatura de 30 metros conseguiria caçar suas presas nas praias?

Megatubarão atacando banhistas na praia

 

Com relação ao tamanho do megalodon, apenas uma correção. Na verdade, a maior constituição corporal dos tubarões é cartilagem. Diferente dos ossos, a fossilização de cartilagem tende a ser bastante ruim. Assim, quase a totalidade de fósseis de tubarões é composta apenas por dentes, com raras exceções de algumas vértebras.

Como os dentes são partes pequenas do corpo, não existe consenso quanto ao tamanho do megalodon baseado nos fósseis encontrados. As medidas mais conservadoras possuem cerca de 15 metros, e as mais generosas são estimadas em 20 metros. Dificilmente o megalodon passaria dessa medida, e certamente não chegaria aos 30 metros conforme exibido em Megatubarão. O posto de maior animal de que se tem registro de já ter habitado a Terra continua sendo da baleia azul.

Voltando ao tema, alguns tubarões vivem nas praias, mas geralmente são pequenos e não apresentam nenhuma ameaça a humanos. Existem casos de tubarões grandes que caçam em praias, como os tubarões martelos, cabeças-chata e até mesmo os grandes tubarões brancos, geralmente atrás de suas presas. Mas ainda assim, o megalodon, com seus 20 metros de comprimento nas estimativas mais generosas, não conseguiria chegar tão raso na água sem encalhar.

 

Apesar de repleto de absurdos científicos, Megatubarão vem devorando as bilheterias com sua postura satírica. É um filme que zomba de si mesmo, além de não fazer jus à inteligência do megalodon. Para a nossa sorte, é quase certo que a criatura não existe mais para se vingar dos impropérios exibidos no longa.

Quase.

 

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Boo Mesquita

Geek de carteirinha e cinéfila, ama assistir a filmes e séries, ir a shows, ler livros e jogar, sejam games no ps4 ou boards. Quando não está escrevendo, pode ser vista fazendo pole dance, comendo fora ou brincando com cachorrinhos. Me siga no Instagram!

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