Museu Nacional e a importância das coleções para a Cultura Pop

No domingo dia 2 de setembro, o Museu Nacional ardia em chamas.

Foi o primeiro museu e a primeira instituição de pesquisa do Brasil, que completou, em 2018, 200 anos. Contava com mais de 20 milhões de itens catalogados – o quinto maior em história natural e antropologia do mundo. Também tinha uma íntima relação com a própria construção da identidade cultural brasileira, tendo servido como moradia da família real. O Museu Nacional foi ainda o palco da assinatura do decreto da independência do Brasil e da primeira assembleia constituinte republicana.

Tamanha importância não foi o suficiente para receber os recursos necessários à sua manutenção, e agora quase todo seu acervo jaz em cinzas.

Porém boa parte da população (senão a maioria) parece não dar a real importância ao ocorrido, ou se perguntar a real dimensão do estrago. Nesse quesito acredito que nós, pesquisadores, falhamos em aproximar a população leiga aos saberes contidos nos museus e coleções. Mesmo excluindo a óbvia importância histórica e cultural, muito do nosso cotidiano está relacionado aos museus e às coleções biológicas, antropológicas e históricas nele contidas.

Para ilustrar um pouco de como esses saberes podem estar presentes em nossas vidas sem nem mesmo percebermos, separamos algumas obras da cultura pop que não existiriam, ou seriam muito mais empobrecidas, sem os museus e coleções mundo afora.

 

Obras que envolvem a diversidade biológica

Antes um pequeno parêntesis explicativo: Museus de História Natural, como o Museu Nacional, frequentemente estão vinculados a uma universidade e possuem uma coleção biológica associada. Essas coleções consistem em um conjunto de organismos, ou partes deles, que registram a composição da biodiversidade em um determinado local, em uma determinada época. Esses organismos por sua vez são estudados pelos pesquisadores de diferentes áreas, que tentam extrair o máximo de informação desse material biológico.

Toda a diversidade de animais que você conhece ou já ouviu falar já passou um dia pelas mãos de um pesquisador, que descreveu essa espécie e a tornou disponível para o conhecimento humano.

Isso quer dizer que toda vez que alguma obra fictícia exibe alguma espécie existente, essa foi descrita anteriormente por um pesquisador e depositada em alguma coleção biológica – muitas vezes um museu, como o Museu Nacional. Portanto, se os museus não existissem, boa parte das referências de nossas mais amadas franquias não existiriam.

Dentre as diversas obras, podemos destacar:

 

1 – Tubarão

Tubarão

 

O clássico de 1975 de Steven Spielberg se passa em torno de um gigantesco tubarão branco que assombra as praias de Amity, Nova Inglaterra, procurando suas próximas refeições. Foi um sucesso de bilheteria, tendo superado até mesmo O Poderoso chefão. Recentemente, foi lançado algo que talvez possamos chamar de uma “releitura” de Tubarão.

 

2 – Procurando Nemo

Procurando Nemo

 

O longa da Pixar de 2003 se passa em torno de Marlin à procura de seu filho Nemo, um peixinho palhaço com uma nadadeira defeituosa, abduzido na barreira de corais da Austrália para servir de peixe de aquário. Para essa missão, conta com a ajuda de Dory, uma adorável e esquecida cirurgião-patela.

Procurando Nemo é um dos maiores sucessos da Pixar de todos os tempos, sendo a animação mais rentável da história.

 

3 – Homem Aranha

Homem Aranha

 

Criado em 1962 por Stan Lee e Steve Ditko, essa franquia multimilionária conta a história de Peter Parker, um jovem adolescente nova-iorquino que ganha super poderes após ter sido picado por uma aranha radioativa. Apesar de ser uma aranha fictícia – não há até o momento nenhuma aranha radioativa que a ciência conheça – é uma óbvia referência às aranhas reais. Todos os poderes de Peter – agilidade, aderência à superfícies e lançamentos de teias – são habilidades reais de aranhas existentes.

Homem Aranha é um dos mais populares e comercializáveis super-heróis, com diversas adaptações para os cinemas. Apenas nesses últimos 15 anos, foram 3 diferentes.

 

4 – Planeta dos Macacos

Planeta dos Macacos

 

Com um dos finais mais surpreendentes de toda a história do cinema, o primeiro longa de 1968 não tardou em se tornar uma das maiores franquias cinematográficas, com filmes sendo lançados até os dias de hoje, 50 anos depois da estreia do primeiro. Se passa em um mundo distópico no qual nossos parentes primatas tomaram conta do planeta.

Planeta dos Macacos foi um sucesso nas bilheterias e na recepção das críticas, tendo a franquia como conjunto faturado mais de 500 milhões.

 

5 – Jurassic Park

Jurassic Park

 

Claro que essa lista não poderia deixar de fora a talvez mais carismática e querida franquia hollywoodiana.

O primeiro filme, de autoria de Steven Spielberg, foi lançado em 1993 e é baseado no livro homônimo de Michael Crichton. Conta a história de um parque temático de dinossauros, ressuscitados graças à engenharia genética. O sistema de segurança falha e esses animais pré-históricos caminham soltos pela ilha, aterrorizando seus visitantes. Jurassic Park foi a maior bilheteria de sua época, tendo sido ultrapassado apenas por Titanic, em 1997, e inspirou toda uma geração de jovens a se tornarem biólogos e paleontólogos (a escritora desse post, inclusive). Uma nova franquia, Jurassic World está em andamento.

Difícil imaginar a cultura pop sem esses títulos. E isso porque essa pequena lista foi apenas um exemplo. Poderíamos passar a noite toda pensando em diferentes franquias que envolvem a diversidade biológica.

Infelizmente algumas coleções do Museu Nacional se localizavam no palácio, como as de insetos, aranhas, moluscos, esponjas e de fósseis. Ao que se sabe, foram ao menos parcialmente (e para a maioria, completamente) destruídas. Vale ressaltar que algumas das populações ou espécies contidas no Museu Nacional já foram extintas, e apenas existiam registradas em seu acervo.

 

Obras que envolvem a Antropologia e a Arqueologia

A Antropologia é a ciência que estuda as origens, a evolução e o desenvolvimento cultural da humanidade. Já a Arqueologia é a ciência que estuda os costumes e culturas de diferentes povos humanos através do tempo, a partir de vestígios materiais. Assim como existem em museus coleções biológicas, existem também coleções de artefatos antropológicos e arqueológicos, estudados por pesquisadores de suas relativas áreas.

Muitos filmes famosos também abordam esses temas:

 

1 – Indiana Jones

Indiana Jones

 

Essa franquia, que conta a história do personagem homônimo, teve início em 1981, com o lançamento de Os caçadores da Arca perdida, criado por Steven Spielberg e George Lucas. Os filmes se passam em volta das aventuras do arqueólogo Indiana Jones, que desbrava tumbas e templos de povos antigos.

É considerado uma das maiores bilheterias de filmes de ação de todos os tempos.

 

2 – A Múmia

A Múmia

 

Existiram outros dois filmes intitulados A Múmia na história do cinema, um de 1932 e outro de 1959 (este inclusive com o eterno Saruman, Christopher Lee). Porém, ao menos as gerações mais jovens ficaram marcadas pela franquia de 1999, do diretor Stephen Sommers.

O primeiro filme da franquia conta a história do sacerdote Imhotep, uma múmia ressucitada, que pode destruir a humanidade se não for interrompida. O longa arrecadou mais de 400 milhões de dólares e teve várias sequências.

 

3 – O Caminho para El Dorado

O Caminho para El Dorado

 

Tendo sido o terceiro filme produzido pela Dreamworks, essa animação de 2000 se passa no século XVI e gira em torno de Túlio e Miguel, dois amigos espanhóis. Fugindo do exército por terem trapaceado em um jogo de dados para conseguir o mapa da cidade perdida de ouro de Eldorado, conseguem escapar em um barco para o novo mundo. Chegando lá, são confundidos como deuses pelos nativos (que foram criados misturando aspectos de povos Incas, Maias e Astecas).

O Caminho para El Dorado dividiu críticos, arrecadando 12 milhões de dólares no final de semana de sua estreia.

 

4 – O Código Da Vinci

Tom Hanks em O Código Da Vinci

 

Dirigido por Ron Howard em 2006, com base no livro homônimo de Dan Brown, O Código Da Vinci conta a história do professor de iconografia e simbologia de Harvard Robert Langdon. Na trama, o professor vivido por Tom Hanks investiga o assassinato do curador do Louvre Jacques Saunière, junto à sua neta, Sophie Neveu. Por trás do assassinato estão mistérios e reviravoltas capazes de destruir a Igreja Católica.

O filme recebeu reações divididas, inclusive tendo sido censurado em diversos países e recebido duras críticas do Vaticano.

 

5 – Tomb Raider

Jogo Tomb Raider

 

Essa franquia teve início em 1996, com a estreia de Tomb Raider no mundo dos games. A protagonista, a arqueóloga britânica Lara Croft, viaja ao redor do mundo procurando por artefatos perdidos e viajando por tumbas e templos abandonados. Tomb Raider é uma franquia milionária, recebendo duas adaptações ao cinema: em 2001 teve com Angelina Jolie e em 2018 com a atriz Alicia Vikander.

 

No quesito de Antropologia e Arqueologia, o Museu Nacional possuía o maior acervo egípcio da América Latina, com mais de 700 itens (um destes uma rara múmia enfaixada com os dedos separados – uma entre apenas 9 no mundo inteiro). Além disso, contava também com um riquíssimo acervo de povos indígenas do Brasil e de outros povos da América – inclusive o crânio de Luzia, o fóssil humano mais antigo das Américas, com 12 mil anos. E ainda outros itens raros, como vitrais de Pompeia.

 

Obras históricas

Claro que a maior parte da história é contada através de livros. Mas além das bibliotecas propriamente ditas, uma grande quantidade de livros, jornais, artigos e pergaminhos também podem ser encontrados em museus, especialmente edições raras.

Porém, ainda assim livros não são capazes de representar a realidade de um objeto físico, não importa quão precisa seja sua descrição. É por isso que objetos históricos encontrados em museus (e muitas vezes a própria construção física do mesmo) são tão preciosos, pois são um resquício físico de uma época passada, que muito informam sobre a arte, costumes, vestuário, arquitetura, e outros aspectos da vida humana de determinada época. Portanto boa parte da ambientação de filmes e séries históricos são baseados parcial ou completamente a partir de peças e quadros contidos em museus. Sem sua preservação nessas instituições certamente o resultado final da obra seria muito mais pobre e especulativo.

Dentre uma lista interminável de filmes históricos que podemos citar para ilustrar, destacamos:

 

1 – Gladiador

Russell Crowe em Gladiador

 

O longa de Ridley Scott estreou em 2000, e conta a história do general Maximus Decimus Meridius, traído pelo filho do imperador Comodo, que mata seu pai e assume o trono. Maximus é então forçado a se tornar um escravo gladiador.

O filme recebeu 5 Oscars, dentre eles de Melhor Filme.

 

2 – A Queda

Hitler em A Queda

 

A Queda é um filme alemão de 2004, dirigido por Oliver Hirschbiegel. O filme se passa na Alemanha da Segunda Guerra Mundial, com uma Berlim sendo tomada pelos Aliados, e conta as últimas horas de Hitler.

O filme foi amplamente aclamado pela crítica, além de contar com a brilhante e arrepiante performance de Bruno Ganz como Hitler. Ainda que você não tenha visto A Queda, com certeza já viu uma de suas mais emblemáticas cenas, a de Hitler brigando com seus generais, que virou meme e continua sendo reproduzida várias vezes com diferentes legendas de situações cômicas.

 

3 – Coração Valente

Mel Gibson como William Wallace em Coração Valente

 

Dirigido e estrelado por Mel Gibson, esse longa de 1995 conta a história de William Wallace. Revolucionário escocês durante a colonização britânica, Wallace derrota o exército inglês na Batalha de Stirling, em 1297.

Foi aclamado pela crítica e venceu 5 Oscars, incluindo Melhor Diretor e Melhor Filme.

 

4 – O Último Samurai

Tom Cruise em O Último Samurai

 

Filme de 2003, dirigido e co-produzido por Edward Zwick e estrelado por Tom Cruise. O Último Samurai conta a história de um oficial americano assombrado por genocídios indígenas durante a expansão para o oeste, que decide ir para o Japão para controlar os rebeldes samurais durante a Era Meiji.

Foi bem recebido em seu lançamento, com uma bilheteria de 456 milhões.

 

5 – Titanic

Titanic afundando

 

Claro que em nossa lista não poderia faltar Titanic, um épico de 1997 dirigido por James Cameron e estrelado pela dupla Kate Winslet e Leonardo DiCaprio. É uma história de amor entre dois jovens de diferentes classes sociais a bordo do imenso Titanic, um dos maiores navios de sua época.

Titanic foi amplamente aclamado pela crítica, recebendo 11 Oscars – recorde detido em conjunto com apenas outros dois filmes: Ben-Hur (também um filme histórico) e O Retorno do Rei (quem nos acompanha sabe que somos fãs de carteirinha). Além disso, teve um recorde de bilheteria, alcançando 1,2 bilhões de dólares – recorde que permaneceu com Titanic até ser ultrapassado por Avatar em 2009, também dirigido por James Cameron.

 

Vários importantes itens históricos foram perdidos no Museu Nacional, como utensílios de civilizações ameríndias, tronos de reis africanos, sarcófagos de sacerdotes egípcios e móveis da família real. Muitos historiadores do período do Império terão de se contentar apenas com informações contidas em livros a partir de agora.

 

É lógico que a importância dos museus vai muito além de suas referências para obras da cultura pop, porém com esse post esperamos ter conseguido aproximar um pouco o conteúdo de pesquisa dos museus ao cotidiano da população leiga.

Não podemos deixar de ressaltar a inestimável perda não só do Brasil, mas da humanidade como um todo. Os itens do Museu Nacional eram únicos e insubstituíveis, e nenhum plano posterior de reconstrução do prédio vai trazê-los de volta. Porém a instituição do Museu Nacional não acabou e não acabará, graças à dedicação e amor de seus funcionários, professores e alunos de graduação e pós-graduação.

 

Museu Nacional Resiste

O Farofa Geek expressa profunda tristeza e luto com essa enorme perda, e não podemos deixar essa tragédia anunciada entrar para o esquecimento.

Que sirva de lição para preservarmos melhor a nossa memória.

Bia Mesquita

Bióloga de formação e nerd nas horas vagas. Gosta de passar o tempo comendo coisas gordas, bebendo cerveja com os amigos e vendo Netflix. Colaboradora no Farofa Geek principalmente nas áreas de cartoons, animes, e na área de divulgação científica. Me siga no Instagram!

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