Tomb Raider | A Origem – Protagonismo feminino e o Teste de Bechdel

Tomb Raider: A Origem foi uma das estreias de 2018 mais esperadas para os amantes de games. A nova adaptação é baseada no reboot da franquia de jogos Tomb Raider, de 2013. Na nova história, Lara Croft (Alicia Vikander) descobre pistas sobre o desaparecimento de seu pai e acaba numa aventura em uma ilha no Japão, em busca da tumba da imperatriz Himiko.

Os fãs da franquia de jogos não irão se decepcionar, pois há muitas referências à estética gamer em Tomb Raider: A Origem. Assim como nos jogos, há muitos puzzles. As cenas de ação contam com movimentos que nos remetem aos “combos” dos games (em determinada luta, a vontade de apertar o “x” é grande!), e algumas sequências foram copiadas do jogo quase que na íntegra, como é o caso da cena do avião ou de alguns diálogos.

Além disso, a escolha de arma da Lara Croft de Alicia Vikander é a mesma que a da Lara do reboot: o clássico arco e flecha. Porém, não espere ver no filme ela utilizando o armamento contra animais. A Lara de Vikander parece ser vegetariana, pois não há sacrifício animal no filme.

No entanto, mais que homenagear os games, o longa é um grande acerto cinematográfico no quesito de representação feminina em filmes de ação. Esta resenha aprofundará melhor os motivos desta afirmação.

Ah, e não se preocupe: este texto não tem spoilers. 😉

 

Protagonismo Feminino

A Lara Croft de Vikander em nada se compara com a de Angelina Jolie nos filmes de 2001 e 2003. Não há uma hiperssexualização da personagem, que agora aparece com um vestuário crível de se utilizar em expedições arqueológicas:

 

 

No entanto, este já foi um mérito visível também nos games. Basta comparar a evolução da personagem ao longo das décadas:

 

 

A Lara Croft de Vikander não usa micro shorts, tem enchimentos nos seios ou aparece com excesso de maquiagem no meio da selva. Ela é uma mulher real, o que significa que suas reações também são reais. Suas feições nas cenas em que interage com outros homens, ou até mesmo na lutas, não são as de quem visa seduzir seu oponente. Sua Croft não faz “caras e bocas” milimetricamente pensadas para fisgar o sexo masculino. Ela sofre, sente dor, e apanha (muito!) com expressões corporais e faciais que são condizentes com essas sensações.

O único momento em que há uma valorização maior de seu corpo acontece logo no início do filme, na cena em que Lara aparece treinando muay thai com uma adversária. Porém, há um contexto para Vikander usar apenas top e short na sequência, e em nenhum momento isso foi usado como desculpa para sexualizar a luta.

O cuidado visível no roteiro para não erotizar Lara Croft pode ser atribuído também ao fato de a roteirista do filme ser uma mulher. Geneva Robertson-Dworet (Capitã Marvel) soube muito bem trabalhar o roteiro para que a Croft de Vikander fosse a mais natural possível, dando verossimilhança e empoderamento à personagem.

O reflexo disso pode ser visto na narrativa de Lara: ela é uma mulher protagonista em um filme de ação e em nenhum momento na trama lhe foi atribuído um par romântico. Nesse aspecto, Tomb Raider: A Origem segue os passos de Moana (2017), outra produção que optou por trazer uma protagonista empoderada sem nenhum interesse romântico.

Isso pode parecer bobo mas é uma enorme conquista, pois passa a mensagem de que uma trama pode ser focada apenas na mulher sem que ela precise se apaixonar ou ser objeto de desejo por um homem. Ela é dona de sua própria história, e não está interessada em flertar durante a sua missão. Há maiores preocupações em sua mente, como por exemplo, salvar o mundo.

 

 

Da mesma forma em que aconteceu com Moana, alguns críticos começaram a especular sobre a orientação sexual de Lara, tendo em vista a cena inaugural no ringue com outra mulher e o fato de ela não ter par romântico na história. Essa constatação é fruto de uma visão machista, já que concede conotação erótica a uma luta entre duas mulheres, além de reforçar a ideia de que a única razão plausível para uma mulher não ter interesse em um homem é de que ela é homossexual. Na verdade, a única explicação para uma mulher não gostar sexualmente de um homem é que ele não a atraiu fisicamente. Em outras palavras, ela simplesmente não ficou a fim – e isso não a torna automaticamente lésbica.

Apesar de ter como protagonista uma mulher forte e empoderada, Tomb Raider: A Origem peca pelo escasso número de mulheres que aparecem no longa. Além de Lara Croft, estão presentes Ana Miller (Kristin Scott Thomas), uma das diretoras da empresa Croft; Sophie (Hannah John-Kamen), a amiga de Lara; Rose (Annabel Wood), a boxeadora com quem Lara luta na cena inaugural; e Pamela (Jaime Winstone), funcionária de uma loja de penhores. Todas essas mulheres (à exceção talvez de Miller) quase não possuem cenas no longa e suas tramas são totalmente irrelevantes para a história.

Em entrevista ao The One Show para promover o filme, a própria Vikander admitiu estar um pouco desapontada com a falta de mulheres no longa. Ela afirmou que ficava vagando pela ilha procurando por elas, que simplesmente não existiam. A ilha é habitada exclusivamente por homens, e não há uma explicação plausível para isso.

No entanto, confirmando a entrevista concedida por Vikander em 2016, Tomb Raider: A Origem de fato passa no Teste de Bechdel, ainda que por muito pouco.

 

O Teste de Bechdel

 

O teste foi criado há mais de 30 anos pela cartunista norte-americana Alison Bechdel. Na verdade, ele apareceu em um diálogo entre duas personagens de sua história em quadrinhos Dykes to Watch Out For, em uma edição de 1985. Nele, duas mulheres conversam sobre ir ao cinema, e uma delas diz que apenas assiste a um filme se ele cumprir três requisitos:

1 – O filme deve contar com pelo menos duas mulheres;

2 – Essas mulheres devem interagir entre si; e

3 – O objeto da conversa não pode ser um homem.

Inicialmente como um diálogo despretensioso entre dois cartoons, o texto de Bechdel alertou para uma realidade antes não questionada. Pouco a pouco, os grandes críticos e a indústria cinematográfica começaram a perceber a quantidade ínfima de obras que cumpriam os requisitos presentes no quadrinho. Assim se consolidou o teste de Bechdel, que hoje em dia serve como base para algumas produtoras filtrarem seus roteiros ou atrizes aceitarem papéis.

A própria Alicia Vikander comentou em 2016 em uma conversa com o The Sunday Times que era incrível que já havia atuado na época em 18 filmes, e nunca teve a oportunidade de contracenar com uma outra mulher. Isso apenas demonstra como ainda se evoluiu muito pouco desde 1985 no quesito sororidade na indústria cinematográfica.

Por exemplo, vamos analisar o longa vencedor do Oscar de Melhor Filme em 2018 sob a ótica do teste de Bechdel. A Forma da Água traz Elisa Esposito (Sally Hawkins), uma faxineira que trabalha em um laboratório do governo, no papel principal. Elisa interage em cena com sua amiga Zelda (Octavia Spencer). No entanto, as duas apenas conversam sobre homens: seja o marido de Zelda, a criatura-peixe que é objeto de desejo de Elisa, ou o patrão das duas Richard Strickland (Michael Shannon).

É inegável que ainda existe uma grande falta de representatividade e espaço nos filmes com relação às mulheres. Basta analisar esta planilha feita pela BBC, que retrata a discrepância entre a quantidade de diálogos envolvendo mulheres (na fileira rosa) e homens (na fileira azul) nos últimos vencedores do Oscar de Melhor Filme, de 1991 a 2016:

 

 

Há ainda uma grande ironia em A Forma da Água, já que apesar de ter uma mulher protagonista, Elisa, por ser muda, literalmente não tem voz.

Por esta razão, obras como Big Little Lies e The Handmaid’s Tale são tão relevantes no cenário atual. As duas passam no teste de Bechdel, e este é apenas mais um motivo pelo qual devem ser divulgadas e assistidas.

Quanto à Tomb Raider: A Origem, o filme não é tecnicamente perfeito ou incrível, e ele sequer tem essa pretensão. O longa cumpriu seu papel de entregar uma boa adaptação, com sequências de ação que entretêm o público e não deixam nada a desejar aos demais sucessos do gênero.

Mas mais que isso, foi revigorante sair do cinema com a sensação de ter visto um filme de ação que soube tratar sua protagonista mulher com o respeito que ela merece.

E você, o que achou de Tomb Raider: A Origem?

 

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Boo Mesquita

Geek de carteirinha e cinéfila, ama assistir a filmes e séries, ir a shows, ler livros e jogar, sejam games no ps4 ou boards. Quando não está escrevendo, pode ser vista fazendo pole dance, comendo fora ou brincando com cachorrinhos. Me siga no Instagram!

2 thoughts on “Tomb Raider | A Origem – Protagonismo feminino e o Teste de Bechdel

  • 28 Março, 2018 at 11:45
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    Arrasou Boo. Adorei acompanhar a evolução da Larita ao longo dos anos e amo a todas elas, mas esse lance real da nova Lara, além de estar alinhada com a percepção mais apurada em termos de representatividade conseguiu adicionar algo mais… A experiência é ainda mais visceral, jogamos, torcemos e nos emocionamos com ela. E o filme… Uau. <3 A Jolie mandou bem na sua época e a Vikander caprichou muito nesta nova leitura.

    Agradeço pelas fundamentações feministas no artigo, sempre é bom poder aprendermos mais, especialmente quando o cerne da análise é uma personagem que amamos.

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    • 31 Março, 2018 at 17:33
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      Eu também gostei bastante do filme Felipe, achei que ele cumpriu tudo o que ele se propôs a fazer. É uma ótima adaptação =)
      Fico feliz que tenha gostado também da nossa resenha, a Lara é realmente sensacional e a Vikander representou muito bem as mulheres!

      Reply

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