A Vastidão da Noite | Muito mais que um sci-fi nostálgico, uma obra imperdível!
Uma dupla de adolescentes começam a investigar os acontecimentos estranhos em uma cidade pequena no interior dos Estados Unidos. Poderia ser apenas mais um sci-fi com vibe nostálgica, mas A Vastidão da Noite (The Vast of Night) consegue ser muito mais que isso.
Andrew Patterson não nos traz um enredo especialmente original, ok. Mas o diretor do longa, que tem 38 anos e A Vastidão da Noite como seu filme de estreia, nos mostra que existe sempre um ângulo novo para se contar uma história antiga. E que isso pode ser feito mesmo com um baixo orçamento: seu debut custou menos de 1 milhão de dólares para ser produzido. Uma aposta acertada da Amazon Prime.
A trama de A Vastidão da Noite acompanha dois adolescentes na cidadezinha de Cayuga, Novo México, nos anos 50. Fay (Sierra McCormick), operadora de telefonia, e Everett (Jake Horowitz), locutor de rádio, são os protagonistas que nos guiam por este suspense. Entusiastas da tecnologia (pelo menos a da época), captam um sinal estranho na rede de rádio local e começam a investigar o que aos poucos parece se revelar como um contato alienígena.
Fay e Everett são bastante carismáticos e, com seus diálogos rápidos, mostram uma boa química e nos deixam de cara já imersos no dia a dia e nas idiossincrasias da pequena cidade de Cayuga. Onde A Vastidão da Noite consegue fugir do clichê e se destacar dos outros filmes do gênero é na forma e não necessariamente no conteúdo. A fotografia é um deleite, e longos planos sequência nos fazem sentir na pele dos protagonistas, que não possuem tantas informações sobre o que está acontecendo. Junto a eles, vamos descobrindo, cena a cena, imersos na trama, o que está acontecendo em Cayuga.
Cuidado! A partir daqui a crítica do filme conterá spoilers!
A Vastidão da Noite é um filme que faz referência e homenageia diversos clássicos. De cara, já nos coloca como espectadores de um programa de TV chamado Paradox Theatre. Claramente, é uma versão de Além da Imaginação (Twilight Zone), programa que foi ao ar originalmente de 1959 a 1964, e posteriormente teve uma nova versão na década de 80, com 3 temporadas. Para os que não conhecem, Além da Imaginação trazia histórias de ficção científica, suspense, fantasia e terror. Cada episódio trazia uma espécie de conto independente, que nos fazia acompanhar uma história bizarra e surpreendente.
A Vastidão da Noite, ao começar com esta referência, nos convida a encarar a história que se segue também como um pequeno “conto”, a suspender por um instante a nossa descrença e acompanhar a trama de Fay e Everett, em um mundo onde será possível se comunicar com visitantes interplanetários.
Mas o longa não faz apenas referência a Além da Imaginação. É possível lembrar de diversas obras cinematográficas, seja pela história em si, ou pela ambientação do filme. E.T. (1982), Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977), Guerra dos Mundos (2005)… Em relação a este último – a trama de invasão alienígena contato por H. G. Wells em seu livro – ainda nos traz uma referência adicional, além da curiosidade de que a estação de rádio de Cayuga, WOTW, faz referência a “War of the Worlds”.
Em 1938, Orson Welles performou uma adaptação do livro The War of the Worlds, de Wells, ao vivo em seu programa de rádio. No entanto, não fez nenhuma menção ao fato de ser uma obra de ficção, apenas interrompeu a transmissão para trazer uma leitura que descrevia uma invasão marciana a cidade de Nova Jersey. Alguns leitores, diante da transmissão, confundiram a leitura com uma notícia real, em primeira mão, de uma verdadeira invasão alienígena. Desesperados, ligaram ansiosamente para polícia, jornais e estações de rádio, no que pareceu um caso de verdadeira histeria coletiva.
Everett, em A Vastidão da Noite, acaba sendo um locutor mais cuidadoso. Inclusive, ao colocar Billy (Bruce Davis) no ar, faz uma série de recomendações ao entrevistado, tentando garantir a fidedignidade de seu relato. Intencionalmente ou não, o filme acaba por fazer uma crítica ao fenômeno das fake news, que tem causado tanto prejuízo político, ambiental e de saúde, ao dias atuais.
A Vastidão da Noite também traz críticas a outros assuntos polêmicos, mesmo que de forma sutil. O racismo e o sexismo estão enredados na história, através das figuras de Billy – ex-oficial do exército que relata a falta de descrença a suas denúncias pelo fato de ser negro -, e Mabel Blanche (Gail Cronauer), a senhorinha que também diz ter sua história desacreditada pelo fato de ser mulher.
Interessante notar também que a mãe de Fay, mãe-solteira, trabalha em dois empregos, e a filha tem de ajudá-la à noite em sua função como telefonista.
A ajuda de Fay nesta dupla função da mãe nos rende uma das partes mais interessantes do longa, quando a personagem de Sierra McCormick protagoniza uma longa cena, em um único plano-sequência, operando a central telefônica para transferir ligações e tentar entender o que poderia ser aquele ruído estranho que interrompeu a transmissão da rádio local. A cena mostra praticamente um close do rosto de Fay, fazendo com que nos sintamos em sua pele, tendo apenas as informações truncadas e incompletas que possui, o que gera uma grande imersão na história.
Outros momentos de imersão também acontecem em A Vastidão da Noite, seja através dos relatos praticamente em forma de monólogos dos ouvintes da rádio Billy e Mabel, que atuam como peças centrais na investigação dos acontecimentos bizarros em Cayuga. Seus relatos nos remetem às comuns histórias de cidade pequenas, contadas por suas figuras muitas vezes exóticas, que juram de pé junto terem vivido alguma espécie de contato com seres de outros planetas.
A química entre Fay e Everett também ajuda a gerar o interesse na trama. Fay no filme tem apenas 16 anos, apesar da atriz Sierra McCormick ter 22, então é um alívio que não ocorra qualquer espécie de relacionamento amoroso entre os dois. Desde o início do filme não fica clara a relação entre os dois, apesar de sentirmos que pode existir um tipo de paixonite de Fay por Everett. Afinal, eles não só têm interesses parecidos, mas em uma cidade pequena dos anos 50, Everett sendo apresentador do programa da rádio local, pode ser considerado praticamente um rockstar.
Quebrando um clichê de final aberto, muitas vezes empregado no gênero, o final de A Vastidão da Noite é bastante explícito e não nos deixa dúvidas. Fay, sua irmã e Everett são abduzidos pelos seres dos céus. E Andrew Patterson nos dá a oportunidade de admirar com bastante calma, e olhar cada detalhe da nave alienígena que paira sobre Cayuga, o que também não é muito comum no gênero. Na verdade, poderia ser ainda um final aberto, não fosse a última cena. Nos é mostrado o gravador no chão, não restando dúvidas da abdução dos personagens.
Algo interessante que se relaciona ao desfecho da trama é lembrar da conversa de Everett e Fay na estação de rádio, quando compartilham seus sonhos de sair de Cayuga e “conhecer o mundo”. Um sonho bastante comum a pessoas que vivem em cidades do interior, a vontade de sair dali e conhecer o “mundo de verdade”. No final de A Vastidão da Noite, essa oportunidade lhes é dada. Têm agora a oportunidade não só de conhecer o mundo fora de Cayuga, mas até outros mundos fora da Terra.
No entanto, ao nos mostrar em sua última cena que o gravador não foi na viagem com eles, fica claro que ainda que estejam vivendo a maior história de suas vidas, esta ficará para sempre off the record.
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Pingback:Crítica – A Vastidão da Noite (2019) – Blog do Rogerinho
Estranho, tive a impressão de que os 3 (Fay, Everett e a bebê) foram incinerados. Isso digo pela foligem que cobre o gravador e o chão onde eles estavam.
O filme não é para o grande público, longe disso.