13 Reasons Why | O suicídio em efeito cascata
13 Reasons Why é uma obra que só se envolveu em polêmicas desde a sua estreia. A série é um conteúdo original Netflix produzida pela estrela da música Selena Gomez e baseada no livro homônimo de Jay Asher, lançado em 2007.
A história é centrada em Hannah Baker (Katherine Langford), uma estudante da Escola Liberty High que comete suicídio. Antes de tirar a própria vida, Hannah deixa para trás fitas cassetes direcionadas às 13 pessoas que julgava responsáveis pelo seu suicídio.
Sua esperança era de que essas pessoas se responsabilizassem por seus atos e aprendessem com seus erros. No entanto, para alguns o último ato de Hannah foi visto como bullying: ela teria tentado se vingar de seus desafetos fazendo-os sentir para sempre culpados por sua morte.
Apesar das boas intenções, a série acabou entrando em diversas polêmicas e dividindo a opinião do público. Isso porque a obra não seguiu a cartilha de recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) de prevenção ao suicídio, tendo demonstrado em detalhes o suicídio de Hannah e atribuído culpados pelo ocorrido.
Por esta razão, o Netflix tentou se resguardar de eventuais críticas, criando um vídeo que serviu como prólogo ao primeiro episódio, assim como um episódio especial em que os criadores da série e roteiristas se unem ao elenco e profissionais da área da saúde para tratar dos temas abordados no programa.
Este vídeo com o elenco da série explicita que o programa trata de temas pesados, e que ela pode ser desaconselhável para telespectadores mais sensíveis ou que estejam em depressão. “Se você está lutando contra essas questões [abordadas na série], essa série pode não ser aconselhada para você“, diz Alisha Boe, intérprete de Jessica Davis.
No entanto, até que ponto falar isso para um adolescente que está sofrendo pode encorajá-lo ainda mais a assistir ao conteúdo, possivelmente nocivo a ele? Teria a série acertado ao trazer à tona estes temas e ajudado no debate, ou estaria ela prestando um desserviço por induzir mais adolescentes ao suicídio?
A morte de Hannah e o suicídio em efeito “cascata”
O que acontece quando alguém nos fala “Não pense em um elefante branco“? Imediatamente somente conseguimos pensar no animal. Da mesma forma, é extremamente improvável que algum adolescente em depressão, após ser aconselhado a não assistir ao episódio, tenha conseguido fazer outra coisa que não assisti-lo.
A série então ajudou a aumentar a conscientização sobre o tema do suicídio ou foi prejudicial a jovens com pensamentos suicidas?
Provavelmente, os dois.
Ao analisar os dados americanos do Google Trends, nas semanas que sucederam o lançamento de 13 Reasons Why em abril de 2017, verificou-se que a busca por termos como “prevenção ao suicídio” e “linhas diretas de prevenção ao suicídio” aumentou em 23 e 12% respectivamente. No entanto, no mesmo período também aumentou a procura por “como se matar” (9%), “cometer suicídio” (18%) e “como cometer suicídio” (26%).
A cena em que Hannah tira a própria vida não é bonita: é pesada e muito difícil de assistir. Mas não há como prever a forma que um jovem lutando contra a depressão pode absorvê-la. Da mesma forma que para alguns o sofrimento da personagem nos seus momentos finais pode desencorajar qualquer ato suicida, para outros ela pode servir como o incentivo que faltava em direção ao mesmo fim.
Justamente para evitar qualquer romantização do suicídio que existe a cartilha de recomendações da OMS, e foi por falhar em segui-la que a série foi duramente criticada por profissionais da área de saúde.
Apesar disso, é inegável a coragem do programa ao tratar sobre o suicídio, tema que infelizmente ainda é considerado como tabu. A prática foi a terceira maior causa de mortalidade de adolescentes em 2015 em todo o mundo, mas falar sobre o assunto ainda é difícil.
Pessoas com pensamentos suicidas podem sentir vergonha e culpa que acabam por paralisá-las, e familiares que perderam entes pelo ato preferem não encarar a verdade por medo do julgamento social frente ao tema. Portanto, aumentar o debate sobre as questões que levam os adolescentes e jovens adultos a cometerem o suicídio é essencial para sua prevenção.
Além de ter mostrado o suicídio de forma explícita, 13 Reasons Why também falhou ao culpar outras pessoas pelo fatídico ato de sua protagonista em vez de focar na questão dos transtornos psicológicos e na depressão de Hannah. É claro que todos os que cometeram crimes devem ser responsabilizados, mas a série acaba reafirmando a falsa crença de que sempre há culpados quando alguém comete suicídio.
Além disso, o programa não apresentou alternativas ao suicídio. Quando nem Kevin Porter (Derek Luke), o orientador educacional do colégio, estendeu a mão à Hannah, a série fez parecer que o suicídio era consequência lógica da falta de apoio, quando ele nunca deveria ser considerado uma saída.
Essa mensagem pode ser problemática ao considerarmos que o público alvo da série é formado majoritariamente por adolescentes.
Em uma das cenas da nova temporada, 13 Reasons Why também peca ao tratar o suicídio como algo demoníaco. Ao se referir ao suicídio, Clay diz para a projeção de sua mente que representa Hannah que ela foi egoísta e tomou uma atitude má. Quando Clay tenta pedir desculpas, “Hannah” diz que ele não disse nada que ela não tenha merecido. Este diálogo reforça a crença de que o que Hannah fez foi uma coisa má, em vez de tratar como um grito de socorro não ouvido. Isso é prejudicial pois aumenta ainda mais o estigma e a culpa de quem tem algum pensamento suicida, dificultando que esta pessoa busque ajuda.
Provavelmente, a maior preocupação dos críticos da série foi o suicídio em efeito cascata (tradução livre da expressão “suicide contagion”). Um estudo da Universidade da Pensilvânia demonstra que após um suicídio, a publicidade e divulgação do ato estão ligados ao aumento das taxas de suicídio entre a população impactada pela notícia, especialmente entre os mais jovens. Os dados demonstram que ao menos 5% dos suicídios cometidos por jovens foram influenciados pelo efeito cascata.
O suicídio em efeito cascata foi abordado no próprio programa. No final da 1ª temporada, Alex Standall (Miles Heizer) se sente consumido pela culpa no suicídio de Hannah e como consequência tenta tirar a própria vida. Infelizmente, esse efeito também foi sentido fora da série. No Peru, um jovem de 23 anos cometeu suicídio, deixando para trás fitas cassetes gravadas para as pessoas que alegadamente seriam as responsáveis por seu ato.
Já que falar sobre suicídio na mídia pode gerar ainda mais atos semelhantes, seria a solução não falar sobre ele?
Em 13 Reasons Why, esta é a alternativa encontrada pela escola Liberty High. Na nova temporada, os estudantes são proibidos de falar sobre a tentativa de suicídio de Alex, sob pena de suspensão do colégio. O criador Brian Yorkey explicou no episódio especial do Netflix que essa medida foi fruto de muita pesquisa em diversos colégios nos EUA que tiveram um caso de suicídio entre seus alunos.
Entretanto, não falar sobre o suicídio e os transtornos psiquiátricos que levam alguém a ter pensamentos suicidas somente aumenta o estigma negativo do assunto, o que pode dificultar a busca por ajuda.
Realmente, a polêmica e a controvérsia ao redor de 13 Reasons Why é bem justificada.
E qual a sua opinião? Achou desnecessária a cena do suicídio de Hannah Baker? Ou acredita que ela pode ajudar jovens na sua situação a buscar ajuda?
Se você já assistiu à segunda temporada da série, leia aqui nossa crítica, onde falamos sobre a cultura do estupro em nossa sociedade e como isso é retratado em 13 Reasons Why!
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O tema é realmente um tabu, que ok, aproximou o adolescente de um problema real, mas aproximou famílias, psicologos e professores de um assunto que não é tratado, nem observado muitas vezes. Por em pauta o assunto com adolescentes e jovens pode muitas vezes ser o suficiente para o pior não acontecer. Que nem o sexo nos anos 80, a depressão deve ser um tema familiar a ser conversado abertamente, sem qualquer vergonha e sim de cuidado.
Com certeza, Roberta! Polêmicas à parte pela cena de suicídio explícita, a série tem o grande mérito de por em pauta temas normalmente ofuscados por outras obras =)
Para os outros pode parecer leviandade minha. Mas como vivemos numa sociedade democrática e todos podem emitir sua própria opinião. A maior culpada por não falarmos de suicídio e ele ser considerado tabu é a educação religiosa. Não conheço todas as religiões do mundo, não sei se tem alguma que trata o assunto com mais seriedade e não severidade. Mas em geral as religiões dizem “É pecado, não vais fazer, não devemos falar.” E por assim fica.
Anderson, acredito que você está certo sim! Infelizmente algumas religiões acabam tornando alguns assuntos tabus =/
Sou cristã, mas admito que muitos seres humanos utilizam a religião para legitimar seus preconceitos =/