This Is Us | A sombra de Jack nas vidas de Kevin, Randall e Kate
O sucesso de La Casa de Papel demonstra como o público brasileiro aprecia séries com tons novelescos. Contudo, há uma série não muito difundida no Brasil que mescla com maestria o estilo narrativo dos seriados com a alta carga dramáticas das novelas: This Is Us.
Categorizada por muitos como “série para chorar”, This Is Us foi criada por Dan Fogelman (da animação Enrolados) e encomendada pelo canal americano NBC. O piloto já emociona ao narrar a história de quatro pessoas cuja única conexão aparente é terem nascido no mesmo dia.
A narrativa acompanha a família Pearson ao longo dos anos, desde o nascimento dos filhos por meio de flashbacks até os dias atuais. A ex astro teen Mandy Moore (com quem Fogelman já havia trabalhado em Enrolados) interpreta Rebecca, uma mulher forte e empoderada que se casa com o doce e amável Jack (Milo Ventimiglia, o eterno bad boy Jess de Gilmore Girls). Juntos, o casal tem três filhos: os gêmeos Kate (Chrissy Metz, de American Horror Story) e Kevin (Justin Hartley, de Revenge), e Randall (o premiado Sterling K Brown, de American Crime Story), adotado pelo casal após o nascimento de seus filhos biológicos.
This Is Us surpreendeu a todos ao ganhar o SAG Awards 2018 de Melhor Elenco em Série de Drama (o equivalente a Melhor Série no SAG), deixando para trás a favorita The Handmaid’s Tale, que vinha vencendo todas as demais premiações.
A série anuncia desde o início sua principal tragédia ao revelar a condição de viúva de Rebecca, que nos dias atuais se casou com Miguel (Jon Huertas, de Elementary). Dessa forma, não importa o quão apaixonado é o casal Jack e Rebecca, ou como Jack exerce com perfeição as funções de marido e pai: temos a certeza de que, cedo ou tarde, Jack irá morrer. É uma questão de quando, e por que.
Se as condições envolvendo a morte do patriarca permanecem um mistério, as consequências de seu óbito são reveladas na série por meio do impacto que tal acontecimento teve na formação de seus filhos. A perda do pai teve um efeito negativo diferente na vida de cada um dos “Big Three” (maneira carinhosa como Jack costumava chamar seus filhos). Esta resenha abordará os impactos que a morte de Jack causou na vida de Kate, Kevin e Randall.
A partir deste momento, se você ainda não assistiu à série prossiga com cuidado, pois o texto trará spoilers da primeira temporada de This Is Us.
Kevin Pearson
Ao longo da primeira temporada vamos descobrindo que Jack, o pai e marido aparentemente perfeitos, tem seus próprios demônios a enfrentar. Seu pai era alcoólatra e violento com sua mãe, e por mais que Jack tente se afastar desse fantasma, a experiência na Guerra do Vietnã e a perda de seu irmão acabam fazendo com que ele ceda ao vício do álcool. Os efeitos da guerra em Jack são tão relevantes para a compreensão de seu alcoolismo que Milo Ventimiglia revelou em uma entrevista que a terceira temporada de This Is Us explorará por meio de flashbacks o período em que Jack serviu ao exército.
Mas o que isso tem a ver com Kevin?
Assim como Jack, Kevin também luta contra seus vícios. A diferença reside no fato de que Jack sempre tentou se distanciar da imagem de seu pai, um alcoólatra abusivo, negligente com seus filhos e agressivo com sua esposa. Dessa forma, toda a vez que Jack cedia ao vício sentia muita culpa, pois isso o lembrava de que tinha mais coisas em comum com seu pai do que gostaria de admitir.
Já Kevin carrega uma culpa diferente. A imagem que possui de Jack é de um herói, um pai extremamente amoroso e dedicado que sempre se sacrificou para dar tudo à sua família. Isso criou para Kevin um modelo inalcançável, pois ele acredita que nunca conseguirá se tornar o homem que seu pai foi. E então, para que sequer tentar? Kevin se sente um fracasso, assombrado pelo fantasma de um pai e homem perfeitos, consumido pela culpa de nunca estar à altura de Jack.
Além disso, enquanto criança Kevin se sentia preterido em relação a seus irmãos, já que Rebecca voltava sua atenção para Randall (aquele que julgava precisar mais de sua proteção), enquanto Jack procurava acolher Kate, que sofria bullying de suas colegas por seu sobrepeso. Kevin sentia não haver espaço para ele e suas questões na família, o que fez com que ele se tornasse um adolescente rebelde. Assim, Kevin carrega também o remorso de ter se envolvido em diversas brigas com seu pai, não estando sequer presente no dia de sua morte.
Randall Pearson
Randall Pearson é um papel que rendeu a Sterling K. Brown diversos prêmios, dentre eles o Emmy (2017) e o Globo de Ouro (2018) de Melhor Ator em uma Série de Drama, sendo o ator mais premiado em This Is Us. Brown também havia conquistado o Emmy de Melhor Ator Coadjuvante em uma Série Limitada ou Filme para a TV em 2016, por seu papel em American Crime Story.
Certamente, Randall Pearson é para muitos o melhor personagem de This Is Us (ou a melhor pessoa de todo o universo). No início da série, parece impossível alguém ser um melhor pai ou marido que Jack Pearson. Parece. À medida em que vamos conhecendo o histórico de alcoolismo de Jack, percebemos que ele não é perfeito. E isso é ok, pois ninguém é. Exceto talvez por Randall.
Randall foi adotado por Jack e Rebecca no dia de seu nascimento, após ser abandonado por seu pai biológico William Hill (Ron Cephas Jones) em frente ao corpo de bombeiros. O casal, grávido de trigêmeos, havia acabado de perder seu terceiro filho durante o parto. Jack, demonstrando sempre ser uma pessoa sensível e emotiva, convenceu Rebecca de que seria uma boa ideia levar o bebê abandonado para casa, já que eles já tinham todo o enxoval para três e estavam preparados psicologicamente para terem três filhos. Foi uma escolha difícil e muito corajosa, considerando que o casal no mesmo dia em que perdeu um filho, decidiu adotar outro.
Desde pequeno, Randall sempre demonstrou ser o mais sensível e carinhoso dos Big Three. Por ser negro e adotado por brancos, Rebecca sempre sentiu uma necessidade de protegê-lo mais que seus outros filhos, o que causava inveja nos irmãos, principalmente em Kevin. Enquanto Jack o preparava para os preconceitos que (infelizmente) sabia que seu filho iria sofrer, Rebecca tentava protegê-lo de todas as maldades do mundo. Como consequência, Randall se tornou um homem orgulhoso de sua origem negra, forte como sua mãe, e extremamente emotivo como seu pai.
Randall teve uma infância feliz e um pai que considerava perfeito, de modo que Jack sempre foi seu maior exemplo. Entretanto, por se cobrar muito, Randall acabou criando uma pressão para se tornar ainda melhor que Jack: mais carinhoso, mais altruísta, mais trabalhador, mais feliz. E ele obteve sucesso. Possui um relacionamento digno de comercial de margarina com sua esposa Beth (Susan Kelechi Watson), é um pai extremamente amoroso para suas filhas Tess (Eris Baker) e Annie (Faithe Herman), e ocupa uma importante posição em uma companhia em Nova York.
Entretanto, a pressão para ser perfeito fez com que Randall desenvolvesse fortes crises de ansiedade e ataques de pânico, já que é humanamente impossível viver sem cometer falhas. Ele tem dificuldades de aceitar que fracassar em algo faz parte da vida, e não sabe reagir quando algo foge ao seu controle.
É impossível falar sobre Randall sem mencionar que um dos méritos de This Is Us é quebrar os esteriótipos e retratar um homem negro em uma posição de poder, já que Randall (negro e adotado) é o personagem mais bem sucedido da série. Ainda sobre a questão da representatividade, This Is Us também acerta na figura de William, um personagem negro, idoso e bissexual. O desconforto inicial de Randall com a bissexualidade de seu pai demonstra que até mesmo as pessoas que sofrem preconceito podem ter alguma atitude preconceituosa para com outras.
Kate Pearson
Desde pequena, Kate sempre teve um relacionamento difícil com sua mãe. Ao perceber que sua filha estava desenvolvendo problemas com seu peso, Rebecca tentava manter Kate em uma dieta mais restrita que a de seus irmãos, e a incentivava a praticar mais exercícios físicos. Isso porque Rebecca, além de se preocupar com a saúde de Kate, tinha medo de que sua filha sofresse bullying das outras crianças.
A maneira como lidar com Kate na infância foi objeto de discussões entre o casal Pearson. Enquanto Rebecca se preocupava com o peso de Kate, para Jack sua filha era uma criança perfeitamente normal, e a questão de seu sobrepeso seria naturalmente resolvida quando ela entrasse na puberdade. Isso fez com que Kate tivesse ressentimento de sua mãe, ao passo que se sentia acolhida por seu pai. Ela achava que nunca seria boa o suficiente para Rebecca, e via em Jack alguém que a aceitava como ela era.
Seu laço especial com Jack já seria o suficiente para que Kate sofresse de maneira muito intensa sua morte. Entretanto, ao longo da primeira temporada nos é revelado que as ações de Kate de alguma forma contribuíram para a morte de seu pai.
Dessa forma, Kate carrega uma culpa de ter indiretamente causado a morte de Jack, seu herói. Isso apenas agravou sua compulsão alimentar, e fez com que ela se punisse, se sentindo indigna de amor e compaixão.
Kate então cresce às sombras do irmão Kevin, servindo como sua assistente pessoal. Ela prefere não ser notada, vivendo a vida de forma invisível. Kate frequenta reuniões do Vigilantes do Peso em uma tentativa de lidar com sua compulsão alimentar, mas sua culpa e falta de compaixão consigo mesma fazem com que ela tenha diversas recaídas. Foi a personagem que mais sofreu a perda de Jack, e para quem sua morte é mais difícil de ser superada.
É inegável a relevância que Jack possui na série. Sua abrupta morte gerou traumas diferentes para cada um dos seus filhos. Enquanto Kevin se culpava por nunca estar à altura de seu pai, Randall se pressionava para superá-lo e Kate se julgava responsável por seu óbito. Seja qual for o trauma, é interessante como mesmo após a morte as pessoas continuam causando impacto aos que viveram a sua volta, se fazendo presentes por meio das lembranças e dos exemplos que deram em vida. Tanto é que Jack morreu quase 20 anos antes do início da série, mas todos parecem ainda viver à sua sombra.
Parafraseando Luke Skywalker (Mark Hamill) ao se despedir da Princesa Lea (Carrie Fisher) em Star Wars: Os Últimos Jedi, “ninguém nunca se vai de verdade…“.
E você, é fã de This Is Us? Sobreviveu ao “Super Bowl Sunday“, episódio 14 da 2ª temporada? Deixe nos comentários quem é seu personagem favorito da série! 😉
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