Westworld | Primorosamente intrincada ou pretensiosamente complexa?

Velho oeste, futurismo, inteligência artificial, mistérios e as grandes questões filosóficas da humanidade: Westworld foi mesmo uma grata surpresa.

Baseada no filme homônimo de 1973, escrito e dirigido por Michael Crichton, sua primeira temporada foi lançada pela HBO em 2016, com um orçamento astronômico que chegou a 100 milhões de dólares. Crichton certamente possui alguma fixação sombria por parques temáticos em que as coisas dão terrivelmente errado, geralmente por seus criadores sofrerem de um Complexo de Deus. Afinal, Crichton também escreveu o livro Jurassic Park, e a adaptação de seu roteiro para às telas de cinema em 1993.

No entanto, ao contrário do parque jurássico, “adequado” para toda a família, Westworld é classificado como um parque de diversões adulto. Nele, os conceitos de moral são postos à prova por seus visitantes, podendo ser manipulados, reinterpretados, ou simplesmente feitos de aviãozinho de papel e atirados em direção ao ventilador de teto.

Com o desenvolvimento de uma tecnologia avançada de inteligência artificial, aliada à capacidade de criação de corpos sintéticos, robôs praticamente indiscrimináveis de seres humanos foram construídos em larga escala para povoar o parque, atuando como “anfitriões”. Dentre os convidados, nada mais nada menos que milionários excêntricos em busca de fortes emoções e liberdade para extravasar seus mais profundos e vis impulsos.

Mortes, estupros, tortura… Tudo parece funcionar em perfeita harmonia no mundo de Westworld.

 

westworld rodrigo santoro e maeve

 

No entanto, o ponto de partida da trama se dá quando os “anfitriões”, até então dotados de uma inteligência artificial programada para apenas reproduzir narrativas preestabelecidas, começam a desenvolver uma espécie de consciência, conseguindo acessar traumas e memórias de suas “vidas passadas”.

Em paralelo, descobre-se que o parque gerido pela empresa Delos possui objetivos ocultos, para além de um exótico destino de férias. Os dados de todos os visitantes são armazenados sem suas devidas autorizações, para serem utilizados em pesquisas secretas cujo propósito é a busca pela vida eterna. Como vemos ao longo da segunda temporada, a primeira cobaia na tentativa de emular o dom da imortalidade é exatamente James Delos (Peter Mullan), fundador da empresa que opera o parque.

Ao longo da série, também descobrimos que Westworld é apenas um dentre diversos parques disponíveis para a diversão dos 1% mais ricos da população. Conhecemos também o violento “Shogun World”, baseado no Período Edo do Japão, a ditadura feudal do xogunato antes da Restauração Meiji. A localidade destes parques, no entanto, ainda é um mistério, ainda que muitos fãs da série tenham chegado a teoria de que estariam situados em algum lugar da China.

Um dos pontos fortes da série é, sem dúvidas, as atuações de seu elenco de peso. O time é composto por Ed Harris, Evan Rachel Wood, Thandie Newton, James Marsden, Jeffrey Wrigh (como dois personagens: Arnold e Bernard), Tessa Thompson, Jimmi Simpson, Luke Hemsworth, Gustaf Skarsgård (eterno Floki de Vikings), o brasileiro Rodrigo Santoro e, é claro, Anthony Hopkins como Robert Ford, cuja simples presença eleva o nível de qualquer cena.

 

westworld anthony hopkins robert ford

 

Outro deleite é a trilha sonora, um show à parte. Enquanto o fantástico tema de abertura é obra original de Ramin Djawadi, mesmo compositor da música tema de Game of Thrones, o que realmente chama atenção são as versões em piano “retrô” de clássicos do rock moderno, como “Black Hole Sun”, do Soundgarden, “Back to Black”, de Amy Winehouse e “Paint it Black”, dos Rolling Stones.

Djawadi, responsável pelas adaptações, disse em entrevista ao site Pitchfork que a intenção com os covers era não só representar o que é o parque em si, uma obra moderna apenas disfarçada de passado, mas também gerar um desconforto, uma espécie de lembrete recorrente de que algo há algo errado ali.

Já como principal ponto fraco, podemos citar a complexidade da trama, exacerbada através de uma narrativa embaralhada entre passado, presente e futuro. A intenção parece ser realmente complicar, já que não existem dicas de qualquer espécie para facilitar a identificação cronológica das cenas, como filtros na imagem ou figurinos específicos, recursos muitas vezes usados para sanar essa dificuldade.

O que nos leva a pergunta: Westworld precisava ser tão complexa?

 

Primorosamente intrincada ou pretensiosamente complexa?

westworld bernard e dolores

 

Caso você não saiba, J.J. Abrams, um dos criadores de Lost, é produtor executivo em Westworld. Abrams já declarou em entrevistas a sua paixão pelo mistério, e em sua TED Talk em 2007, declarou: “o mistério é o catalisador da imaginação”. Para o produtor, existem momentos em que o mistério deve ser mais importante que o conhecimento.

E isto fica bastante claro em Lost, para o terror (ou deleite) dos fãs.

Mas não nos precipitemos em culpar o criador de Lost, uma das séries mais complexas e confusas da história da TV, pelo emaranhado enigmático de Westworld. Afinal, também temos nomes como Jonathan Nolan e Lisa Joy no time. Marido e mulher, os criadores da série parecem fazer sua parte para contribuir para o eterno mindfuck que é a série.

A primeira participação de Jonathan Nolan em uma produção foi em Amnésia (2000), um filme basicamente contado de trás para frente. Jonathan escreveu o conto Memento Mori, que serviu de base para o filme, que veio a ser roteirizado e dirigido por seu irmão Christopher Nolan. Lisa Joy também é amante de tramas complexas, e não teve papas na língua para afirmar em entrevistas que Westworld “não é uma série para qualquer um”.

No entanto, em um papo com o site Den of Geek, Lisa garantiu que existem respostas para todas as obscuras perguntas levantadas pela série. Também já afirmou que tem definida qual será a última cena de Westworld, e que será bastante poética.

Os depoimentos dos produtores, contudo, não parecem ser suficientes para reter a audiência da série, que segue mais confusa que nunca.

De acordo com o instituto de pesquisa Nielsen, a audiência média dos episódios da segunda temporada de Westworld foi 16% menor que na primeira temporada. Além disso, fica claro que muitos espectadores foram perdidos ao longo desta temporada, por conta da complexidade da narrativa e a dificuldade em entender realidade x simulação e as diversas linhas temporais. Afinal de contas, segundo o instituto, o último episódio da segunda temporada teve uma audiência 24% menor que a estreia da mesma, em abril.

Enquanto isso, nem os atores parecem conseguir acompanhar a trama de Westworld. Com bom humor, Ed Harris já declarou em entrevistas que mesmo fazendo parte da produção, quando assiste a série não consegue entendê-la em sua integralidade: “eu acho fascinante e adoro assistir, mas nem sempre entendo a complexidade do que está acontecendo“. Jimmi Simpson, que faz o papel de William, o Homem de Preto mais novo, também já deu declarações parecidas.

 

westworld ed harris homem de preto

 

Este fenômeno foi provavelmente provocado pela profusão de temas filosóficos complexos na série, que sempre abre novas discussões e a cada episódio parece nos apresentar uma nova camada da “cebola”.

No início da primeira temporada, o foco na inteligência artificial em contraposição à consciência humana trazia um tema bastante profundo, mas acessível ao público. Ao passar dos episódios, foram sendo introduzindo novas questões que poderiam ser discutidas em enormes tratados filosóficos, como imortalidade, ética e moral, comportamento, livre arbítrio, privacidade de dados pessoais, entre outros. Basicamente Westworld tenta passar em duas temporadas pelas mais importantes questões da filosofia, desde a época antiga aos dilemas tecnológicos atuais.

E tudo isso em uma narrativa que se alterna cronologicamente, o que torna o processo muito penoso ao espectador.

Mesmo Black Mirror, uma série que trata basicamente das mesmas questões, com uma abordagem indubitavelmente profunda, consegue fazê-lo de forma mais acessível, ao reduzir o número de temáticas por episódio.

 

A terceira temporada de Westworld

Westworld terceira temporada

 

Com o final da segunda temporada de Westworld, continuamos com uma série de perguntas a serem respondidas.

Temos personagens em todos as camadas das cebola: Dolores, Bernard e algum anfitrião no corpo de Hale no mundo real dos humanos, e ao que tudo indica Maeve ainda dentro do parque e Teddy com a Nação Fantasma nos Campos Elíseos da inteligência artificial. Além disso, na cena pós-créditos, temos uma encarnação Homem de Preto em algum lugar do futuro. São muitas frentes para serem exploradas.

A única coisa certa é que a terceira temporada de Westworld trará conflitos entre Dolores e Bernard, que agora habitam um novo mundo a ser desbravado, mas continuam seguindo diferentes ideologias. Enquanto Dolores parece defender uma supremacia da inteligência artificial sobre a humanidade, Bernard provavelmente ficará em seu caminho, buscando a convivência entre as espécies.

Não é impossível que Dolores aprenda com Bernard e se torne mais tolerante. Vimos ao longo das duas primeiras temporadas que ela pode mudar seus pontos de vista, como por exemplo quando ajuda Maeve e Akecheta em seu plano de levar os anfitriões para o “Valley Beyond”, garantindo que o paraíso artificial ficará inacessível, em total segurança.

Ela o faz mesmo acreditando que o Vale seja uma ilusão. Afinal, Dolores evoluiu para entender e aceitar que existem outros caminhos e visões além de suas crenças. Exatamente um dos motivos pelos quais ela “revive” Bernard.

Paralelamente, com as cenas pós-créditos no último episódio da segunda temporada, temos uma forte evidência de que a terceira temporada de Westworld também explorará um futuro distante. Lisa Joy declarou em uma entrevista para o The Hollywood Reporter que esta cena traz uma versão do Homem de Preto que não é sua “encarnação original”, já que sua versão humana estaria morta há um bom tempo.

 

westworld cena pós creditos da segunad temporada

 

Quanto ao parque, é improvável que a nova trama o abandone totalmente enquanto cenário. Lisa afirma que apesar da terceira temporada focar no mundo real, ainda veremos mais sobre os parques artificiais que seriam o centro do conceito da série.

Como provocação, fica a pergunta: será que descobriremos que o mundo dos humanos seria também uma simulação? Apenas mais uma camada da cebola na intrincada trama de Westworld? Talvez seja uma proposta muito ousada, pois a série se arriscaria em territórios nunca antes explorados.

Enquanto espectadores, tudo que nos resta é esperar a terceira temporada de Westworld, nos apegando a afirmação de Lisa Joy de que nada ficará em aberto e, com o tempo, todas as perguntas serão respondidas.

O retorno da série, no entanto, ainda não tem data marcada. Até lá, podemos dar uma pausa no questionamento sobre a natureza de nossa realidade.

Voltemos às nossas narrativas.

 

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Marcos Malagris

Publicitário, professor de marketing digital e Psicólogo, gasta seu escasso tempo livre navegando na Interwebz, consumindo nerdices e contemplando a efemeridade da existência. Me siga no Twitter ou no Facebook!

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