Como lidar com o fato de que vamos morrer?
Domingo à noite. Você está no sofá maratonando uma série que na real nem está curtindo tanto assim. O tempo passa, você olha para o relógio e o final de semana já está acabando. Você lembra do niilismo na conversa de Morty com sua irmã na animação Rick and Morty: “a existência não tem propósito. Não pertencemos a lugar algum. Todos vamos morrer. Venha assistir TV”.
É interessante como a nossa postura diante da inevitabilidade da morte é simplesmente agir como se ela não existisse. Acordamos todos os dias e nos apertamos em transportes públicos lotados, apenas para passar oito horas do nosso dia em um lugar onde não gostaríamos de estar. E repetir o processo até chegar em casa e derreter no sofá vendo séries.
Se lembrássemos a todo instante o fato de que somos seres mortais e que nossos dias na terra tem prazo de validade, continuaríamos vivendo da mesma forma?
A Negação da Morte
Em certo grau, para a evolução humana e manutenção de uma sociedade organizada e livre do caos, é extremamente conveniente “esquecermos” que a morte existe. Esse esquecimento não só nos libera de um sentimento profundo de ansiedade e estresse, como também nos faz agir pensando no futuro e investir em ações que só irão trazer benefícios para as próximas gerações.
Essa é a premissa de Ernest Becker, no livro A Negação da Morte, que venceu o Pullitzer em 1974. Na defesa do autor, negar a morte é ignorar que nosso tempo é finito. E assim nos comportamos de forma essencialmente diferente de como faríamos se considerássemos nosso tempo escasso e nossa existência de curta duração.
Becker acredita que a própria civilização e cultura humana seja um grande mecanismo de defesa simbólico, desenvolvido pela nossa raça, para nos libertar do terror da consciência de nossa própria mortalidade.
Criamos uma cultura complexa, cheia de rituais e simbolismos. E também criamos o Facebook, o Instagram e o Netflix, onde investimos boa parte de nosso precioso e finito tempo de vida.
O que parece um comportamento irracional, no entanto, pode ser tratado como uma espécie de “instinto de sobrevivência” coletivo. Afinal, seria difícil manter a ordem e buscar o bem comum se todos agíssemos de forma a maximizar nossa satisfação a todo instante, otimizando o tempo que nos resta.
Por que plantaríamos árvores, por exemplo?
Projetos de Imortalidade
Plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho. De acordo com a sabedoria popular seriam as três coisas essenciais a se fazer antes da morte. E o que elas têm em comum? As três atuam como um legado e “prolongam” a nossa existência.
Enquanto a civilização e a cultura são respostas para a morte a nível coletivo, no individual Ernest Becker aponta para o conceito de “projetos de imortalidade”. A série Altered Carbon trata deste tema de forma bastante interessante. Em um futuro onde a tecnologia venceu a morte, os mais ricos podem de fato comprar a imortalidade, fazendo download de sua consciência em cartuchos e comprando novos corpos, conforme os atuais envelhecem. Na segunda temporada de Westworld, este também é um tema abordado, ainda que a busca pela imortalidade seja apenas através de uma “cópia” da consciência.
No mundo real, onde ainda a morte ainda é inevitável, os “projetos de imortalidade” seriam empreendimentos que construímos de forma literal ou simbólica, com potencial duradouro, capaz de manter nosso nome vivo na história da humanidade. É o que muitas vezes chamamos de “significado” ou “propósito”.
Construir um monumento, por exemplo, é uma forma literal de expandir nossa presença no mundo através do tempo, além de nossa morte. Ao construir o suntuoso Taj Mahal para sua esposa, o imperador Shah Jahan não só imortalizou seu nome na história, como também o amor por sua esposa favorita. Hoje o palácio figura como patrimônio da humanidade e uma das Novas Sete Maravilhas do Mundo.
No entanto, nem todos possuem à sua disposição grandes quantidades colossais de mármore, ouro e pedras preciosas. E uma mão de obra de mais de 20 mil trabalhadores.
Existem projetos de imortalidade mais “modestos”, que estão ao alcance de quase todos, como criar um filho, o que permite a manter viva nossa linhagem, sobrenome e valores, além do nosso breve período de existência no mundo.
Mas não seria pressão demais a missão de deixar algo para as próximas gerações?
Uma Vida Heroica
Para Ernest Becker, apenas o fato de viver de acordo com nossos valores já nos faria sentir parte de algo eterno. Através de “atos de heroísmo” podemos ser lembrados para sempre. Como diria o General Maximus, em Gladiador: “o que fazemos na vida ecoa na eternidade”.
O homem que dá a vida pela pátria ou se sacrifica por sua família, tem uma atitude heróica. Ao passo que decide “pular na granada” para garantir a sobrevivência dos que estão a sua volta, coloca sua vida em risco. A generosidade e o auto-sacrifício não estão diretamente ligados a sobrevivência do indivíduo, pelo contrário. Mas encarar a morte em nome de uma ideia ou de outras pessoas, lhe dá a sensação de um ato verdadeiramente heróico, extremamente significativo e que transcende ao tempo.
Nos dias de hoje, entretanto, não só não possuímos muitas oportunidades de nos sentir verdadeiramente heróicos, como percebemos que existem autossacrifícios inúteis e guerras injustas.
Com isso, fica difícil nos dedicarmos a uma causa ou propósito maior que nós, e corremos o risco de nos entregarmos a uma vida pasteurizada, em dias de trabalho em que desejamos o final de semana e finais de semana em que estamos cansados demais para sair de frente da TV.
Mas qual seria a solução desta crise?
Talvez negar a morte apenas parcialmente. Reconhecer que a vida é sim finita e que por mais que tentemos, a real imortalidade é impossível.
Se conseguirmos deixar algo de valor tangível para as próximas gerações, ótimo. Senão, paciência.
Através de nossos valores e atitudes, podemos tentar influenciar positivamente o mundo, ainda que apenas em nossos microcosmos de atuação: família, amigos, trabalho… aquela história de sair do mundo deixando ele ao menos um pouquinho melhor do que estava quando você chegou.
E assim, levarmos vidas heróicas à nossa própria maneira.
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Cara, eu realmente adoro como vcs abordam questões tão profundas dentro do contexto geek de todo dia. Me sinto como se tivessem teorisado as brisagens do “banho da madruga”. Realmente é divertido e fácil de entender. Valeu pelo conteúdo pessoal!
Eu estou aqui neste momento refletindo sobre a vida… Se ela faz ou não sentido, e esse texto foi essencial para me ajudar a esclarecer alguns pontos, muito bom! Adorei a leitura.