O papel da diversão no cinema e o valor dos filmes “pipoca”

Com as estreias recentes de Tomb Raider: A Origem e Jogador Nº 1, reacende-se uma velha e interessante discussão cinéfila: filmes podem ser feitos apenas para o divertimento do público, como um bom blockbuster, ou todo longa deveria evoluir o estado da arte e gerar reflexões profundas?

Talvez a sétima arte seja uma das mais difíceis de analisar sem se levar em conta a ótica do entretenimento, já que é o meio que consolida todas as outras: música, pintura, teatro etc. Por conta disso, o cinema possui a habilidade de envolver como nenhuma outra, tocando o espectador de todas as maneiras possíveis e despertando uma ampla variedade de sentimentos. Com toda essa força, é natural que viesse a explorar um lado mais popular, fugindo de uma erudição mais inerente a outras vertentes, como a poesia e a escultura, para citar alguns exemplo.

No entanto, para aprofundar a discussão, devemos analisar e pensar o contexto histórico do surgimento do cinema, que tem um papel fundamental neste questionamento. As obras cinematográficas estão entre as artes mais recentes: datam entre o final de 1890 e início de 1900. Este fato evidencia seu propósito contestador em relação aos parâmetros que vinham sendo estabelecidos até então, uma vez que é da natureza do novo contestar o que lhe precede.

Para além disso, a popularização deste novo campo artístico trouxe um lado mais “alegre”, sem pretensões obrigatórias de apresentar críticas sociais e posicionamentos políticos, o que acabava sempre acontecendo com a música, o teatro, as pinturas e as demais artes. Esta característica se amplificava ao flertar também em um lado circense, que trazia esse fator de diversão como primordial, como pode ser visto em O Almoço do Bebê (1895), dos irmãos Lumière, e Viagem à Lua (1902), de George Méliès, que coincidentemente, era um ilusionista. Isto acabou transformando a maior parte do cinema em diversão popular, o que foi criticado pelas camadas mais abastadas da sociedade, como defende Fernando Mascarello em seu livro História do Cinema Mundial. Nele, o autor relata sobre como essa nova forma de arte se tornou importante para as camadas mais populares.

Viagem à Lua (1902), de George Méliès

Todavia, como contra-reação, acabou por ocorreu uma espécie de elitização desta arte, e o cinema passou por um longo período sem ser visto como algo para todos. A música ocupou esse papel mais popular de uma maneira substancial, principalmente levando-se em conta os acontecimentos a nível mundial, como as grandes guerras que gerava comoção ao redor do globo. Dessa forma, o público encontrou nas canções e álbuns uma forma de entender melhor o que estavam sentindo e passando. Além disso, a questão das crises econômicas do século XX gerou também a necessidade por uma expressão artística que fosse para todos.

Chegamos então a década de 70, quando nascem os primeiros blockbusters. É neste período que ocorre uma retomada do papel da diversão no cinema, que volta com extrema força. Tubarão (1975) e Star Wars: Uma Nova Esperança (1977) atingem novos patamares perante o público e já servem como a anunciação de uma nova era, que atualmente é dominada pelos grandes filmes de super-heróis e franquias multimilionárias, de onde os estúdios tiram seus grandes faturamentos anuais.

Enquanto a evolução do cinema apresentou esta característica pendular, oscilando seu foco entre entretenimento e arte mais “erudita”, hoje podemos dizer que os dois lados coexistem e comumente o público denota essa oposição com termos como “filmes pipoca” ou “povão” e “filmes cabeça” ou “cult“, mesmo que possa haver uma interligação entre estes extremos, como Star Wars: Os Últimos Jedi (2017), Em Ritmo de Fuga (2017) e Corra! (2017), para citar algumas obras recentes.

Um outro aspecto interessante seria analisar o papel da crítica profissional neste contexto. Se anteriormente era praticamente a única geradora de opiniões sobre uma obra cinematográfica, avaliando sua relevância e valor cultural, hoje este papel é pulverizado, ao ser exercido por todo o grande público através de blogs pessoais e redes sociais. A relatividade nos conceitos de “bom” e “ruim” é exacerbada, ao levar-se em conta que hoje existe uma quantidade incontável de veículos e críticas sobre cada novo filme produzido.

Ainda que a discussão seja rica e o papel erudito e mais crítico da arte seja de extrema relevância, o cinema não pode deixar de reconhecer que sua vocação para trazer diversão a públicos de todos os tipos foi o que proporcionou que se tornasse um dos grandes gigante do entretenimento, sustentando um negócio altamente lucrativo que fica atrás apenas da indústria dos games.

Desta forma, o entretenimento como principal foco tem se tornado cada vez mais relevante no cinema, como se pode notar na maioria dos blockbusters, que possuem ritmo dinâmico e são recheados de cenas de ação. Um exemplo bem claro disso é a franquia Velozes e Furiosos, que se alastra em uma gigantesca quantidades de filmes, todos surpreendentemente sucesso de público. E também é possível notar o uso do humor como uma forma de aproximação com um público mais amplo, uma das características responsáveis pelo grande sucesso de bilheteria nas franquias da Marvel.

Para além disso, temos as obras citadas no início do texto, propriamente Tomb Raider: A Origem e Jogador Nº 1, filmes que vão a fundo no papel do entretenimento puro, e apesar de terem recebido em geral boas notas da mídia especializada, também foram alvo de críticas por serem “pipoca” demais.

Mas se isso necessariamente pode ser ruim ou não, fica ao gosto de cada um.

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